sexta-feira, 1 de abril de 2016


01 de abril de 2016 | N° 18488 
NÍLSON SOUZA

O CAPÍTULO 17



Vargas Llosa escreveu um texto monumental sobre a verdade das mentiras, argumentando com extrema lucidez que a ficção nos permite ampliar a nossa única vida real para as muitas vidas dos romances. Graças à literatura, afirmou, podemos ser muitos outros sem deixarmos de ser nós mesmos.

Talvez valha o mesmo para o jornalismo nestes tempos de debates apaixonados e intolerâncias que estamos vivendo. Muitas pessoas não leem o que está escrito, mas sim o que querem ler. Buscam nas entrelinhas sentidos e insinuações que o autor jamais quis dar.

A verdade, matéria-prima deste ofício de reportar histórias, é uma minúscula pepita de ouro na montanha de fatos e boatos do nosso garimpo cotidiano. Raramente a encontramos na integridade do seu brilho e de sua pureza. Mas temos o dever de procurá-la obsessivamente, como Sísifo condenado a empurrar a sua pedra montanha acima, sabendo que ela escorregará de volta para a base.

Assim nos vemos, mas não é assim que o nosso público nos vê. Uma pesquisa recente feita na Itália sobre os profissionais que mais mentem coloca os políticos – sempre eles – num inalcançável primeiro lugar, mas o segundo posto é dos jornalistas, seguindo-se comerciantes, publicitários e por aí vai. Claro que isso é uma generalização pouco confiável, até mesmo porque, como provou um certo pastor escocês, célebre por seus sermões, todos podem cair na tentação. Aí vai a história:

– Vou pregar amanhã sobre a mentira, advertiu. Peço, porém, aos meus queridos ouvintes que, para melhor preparação do que irei dizer, leiam todos o capítulo 17 de São Marcos. Considero indispensável essa leitura prévia. No dia seguinte, compareceram todos. E, logo, o pastor inquiriu previamente:

– Aqueles que leram o capítulo 17 de São Marcos, conforme a minha recomendação, queiram levantar-se. Levantaram-se todos como um só homem. E o pastor prosseguiu:

– Sois vós realmente os verdadeiros ouvintes do meu sermão de hoje sobre a mentira. Porque, em verdade, não existe o capítulo 17. O evangelho de São Marcos tem apenas 16 capítulos.

De onde concluo também a minha pregação com uma citação do poeta espanhol Ramón de Campoamor, que dá um rumo para este debate: “No mundo, nada é verdade nem mentira: tudo depende da cor do cristal com que se mira”.

Amarelos, vermelhos e incolores, feliz dia da mentira!

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