sexta-feira, 8 de abril de 2016



08 de abril de 2016 | N° 18494 
NÍLSON SOUZA

NO FIM DA FILA


Como Iznogoud, meu malvado preferido das histórias em quadrinhos, tem muita gente neste país que quer ser califa no lugar do califa. O grão-vizir criado pelo desenhista René Goscinny, o mesmo de Asterix, era uma espécie de Dick Vigarista de Bagdá: preparava armadilhas para o califa Harun Al Mofad e o feitiço sempre se voltava contra o feiticeiro. Tancredo Neves traduziu esta maldição para o folclore da política nacional:

– A esperteza, quando é muita, come o dono!

Conheci Tancredo numa visita que ele fez a São Borja, em agosto de 1984, por ocasião do 30º aniversário da morte de Getúlio Vargas. Conheci é modo de dizer: acompanhei sua passagem pela cidade, na condição de jornalista. Ele já era quase presidente da República e todos os seus passos tinham cobertura intensa da imprensa. No cemitério, foi uma selvageria: em busca do melhor ângulo para a foto do futuro presidente colocando flores no túmulo de Getúlio, meus colegas pisaram tantas sepulturas, que temi uma revolta de cadáveres, tipo Incidente em Antares.

Mas fiquei com pena do velhinho mesmo foi na hora do churrasco que lhe ofereceram num CTG local. Ele partia a carne em pequenos pedaços, mastigava repetidas vezes e colocava de volta na extremidade do prato. Além disso, se locomovia com dificuldade, parecia extremamente frágil. Não era o tipo de pessoa que parecia ambicionar “ser califa no lugar do califa”. E o califa daquele Brasil de 1984 era um general.

O resto da história todo mundo sabe: Tancredo venceu na eleição indireta o candidato dos califas, que era ninguém menos do que Paulo Maluf, mas não chegou a tomar posse como primeiro presidente da Nova República. Antes de morrer de diverticulite, porém, deixou uma outra frase célebre para os brasileiros que lutaram pela democracia:

– Não vamos nos dispersar.

Brasileiros e brasileiras – como dizia o herdeiro do trono não ocupado –, já superamos impasses históricos piores do que o atual apenas com frases de efeito, talvez com algumas bravatas, mas sem sangue nem ódios insuperáveis. Vamos sair dessa juntos, se não unidos, pelo menos caminhando na mesma direção. Espertalhões no fim da fila, mas há lugar para todos neste Brasilzão.

Até para o Eduardo Cunha que, com barba, ficaria o próprio Iznogoud.

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