segunda-feira, 18 de abril de 2016


18 de abril de 2016 | N° 18502 
L. F. VERISSIMO

Questão de semântica

Quando o Eduardo Cunha alegou que não tinha mentido sobre suas contas na Suíça porque o que tem na Suíça não são contas, mas trustes que pode acessar como se fossem contas, e ninguém riu, ou perguntou se era certo um cínico declarado presidir a Câmara nacional ou comandar um movimento pelo impeachment da presidente da República, estava, sem querer, dando o mote destes dias. Tudo se resume numa questão de semântica.

Dinheiro em trustes é a mesma coisa que dinheiro em contas? Questão de semântica. O pretexto “oficial” para derrubar a Dilma é o uso das tais pedaladas fiscais. Além da controvérsia sobre a legitimidade de governos recorrerem ao recurso emergencial, tivemos o estranho caso do Tribunal de Contas da União, que depois de um longo e profundo sono, do governo Getúlio Vargas ao governo atual, durante o qual não julgou ou sequer examinou as contas de nenhuma – nenhuma – administração, acordou justamente para julgar as contas da Dilma, por coincidência. E desaprová-las, por nenhuma coincidência.

É na discussão das pedaladas que a semântica entra com mais força, embora, a esta altura, não decida mais nada. O “crime” do qual a Dilma está sendo acusada é crime ou não é crime, eis a questão. Se é crime, já é um crime tradicional, no Brasil, onde vem sendo cometido através dos anos. Pena que o TCU estivesse dormindo em vez de examinando as contas do governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, quando o recurso foi usado com abandono, apenas com outro nome. 

Se pedalada não é crime, a Dilma é inocente como um, sei lá. Como um Fernando Henrique. Mas é claro que as supostas manobras fiscais são pretextos para um final que vem sendo urdido desde que o povo brasileiro teve a audácia de dar mais votos para a Dilma do que para o Aécio. No dia seguinte às eleições, começava o movimento do impeachment. Ou o golpe. Questão, de novo, de semântica.

Seria bom se as pessoas pudessem se encontrar, de vez em quando, com sua própria posteridade. Olhar um espelho mágico e ver como ficou sua imagem na História. Não tenho dúvida de que muitos votaram pelo impeachment com convicção e não se envergonharão do que fizeram. Mas muitos não escaparão de ver ao seu lado, no espelho, a figura sorridente do Eduardo Cunha. Para sempre.

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