segunda-feira, 11 de abril de 2016



11 de abril de 2016 | N° 18496 
DAVID COIMBRA

De que cor é o presidente?


Se você prestar atenção, vai reparar que Barack Obama é negro. Mas vai ter de olhar bem, porque, no caso dele, essa peculiaridade, ainda que esteja à flor da pele, torna-se irrelevante.

Deveria ser coisa meio que gritante. A questão racial é, de longe, o principal problema dos Estados Unidos. No entanto, jamais vi alguém que mora aqui dizer que Obama faz ou deixa de fazer algo por ser negro. E ele, Obama, nunca se apresentou como um “presidente negro”. Em nenhum momento, nem durante os graves conflitos de Ferguson, em 2014, Obama disse ou insinuou que ele é o “presidente dos negros”.

Por quê? Em primeiro lugar, porque não precisa. Ele É negro.

Em segundo, porque, se Obama fizesse isso, estaria alijando o resto do país. Além de ser contraproducente, em termos políticos. Nos Estados Unidos, os negros são cerca de 12% da população. Ou seja: seria impossível um presidente se eleger apenas com os votos dos negros. Logo, foram outras pessoas, com outros tons de pele, que elegeram Obama.

Mas a origem ou a natureza do voto também são irrelevantes, neste caso. Um presidente é diferente de um congressista. Um congressista tem compromissos mais estreitos com seus eleitores específicos. Se ele é um deputado, tem de pensar como pensa sua base eleitoral. Se ele é um senador, tem de agir em defesa do seu Estado.

Com o presidente não é assim.

O presidente não faz parte do Legislativo; ele é o chefe do Executivo. Quer dizer: foi eleito para administrar toda a nação. Tem de atender inclusive quem não votou nele. Embora ele, em tese, deva seguir o programa que apresentou em campanha, sua missão é governar para todos, de forma neutra e imparcial.

Tomando exemplos brasileiros: Jean Wyllys é um legítimo representante da causa LGBT, Jair Bolsonaro é um legítimo representante das causas ultraconservadoras. Eles foram eleitos com essas intenções. A ideia de uma Câmara de Deputados é de que a sociedade esteja representada com certa fidelidade naqueles quinhentos e poucos parlamentares. Se um extrato da sociedade tem alguma importância, deve estar lá.

Há muitas críticas ao nosso sistema representativo, mas, não tenho dúvida, funciona. Nesse sentido, pelo menos, funciona muito bem. O Congresso é um espelho da sociedade.

O problema é a fragmentação partidária e os superpoderes do Executivo, que levam à negociação espúria de cargos que deviam ser ocupados por profissionais de carreira.

Mas o que quero ressaltar, aqui, é que um presidente da República precisa ter em mente que ele é o presidente de todos, e não apenas dos seus eventuais eleitores.

Outro dia, estava vendo na TV uma matéria que mostrava Obama e Michelle recebendo, na Casa Branca, uma velhinha com mais de cem anos de idade. Ela era negra, pequena, magrinha, mas parecia dispor ainda de muita energia. Dançou com Obama, imagine, e, a certo momento, o abraçou e murmurou:

– Um presidente negro...

É um orgulho para os negros que Obama seja presidente. Mas eles não dizem que Obama é um presidente DOS negros. Porque ele não é. Ele é presidente dos cidadãos americanos.

Obama toma tanto cuidado com essa questão específica, que chega a exagerar. Houve conflitos raciais, nos Estados Unidos, que mereciam mais firmeza da parte dele. Mas ele contemporizou, acalmou os ânimos e esperou que as instituições agissem.

Agora farei uma comparação com o Brasil. Mas amanhã, que o espaço acabou.

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