sexta-feira, 1 de abril de 2016



01 de abril de 2016 | N° 18488 
DAVID COIMBRA

Informação demais

Os americanos usam no dia a dia uma expressão que é bem ilustrativa de sua cultura. Quando alguém começa a falar muito sobre si mesmo, eles se cutucam e comentam à sorrelfa:

– TMI...

Diz-se “ti êm ai”. Sigla para Too Much Information. Ou: informação demais.

Nós brasileiros reclamamos quando há informação de menos, eles reclamam quando há informação demais.

Isso não significa que os americanos prefiram alienar-se a enfrentar as vicissitudes da vida. O que eles não gostam é de enrolação. Você quer algo? Diga claramente, sem explicações em demasia. Se você tiver direito, eles dirão: Claro! Se não tiver, eles pedirão desculpas e dirão não. É simples: se pode, pode; se não pode, não pode. Fim. Não vai adiantar contar história.

Brasileiro suburbano que sou, confesso que esse comportamento me causou certa estranheza no início. O brasileiro, quando tem alguma reivindicação a fazer, sabe que terá de ser persuasivo para ser atendido. Ele precisará “convencer” alguém a lhe dar o que quer.

Ou terá de brigar.

Eis outro ponto interessante. Você decerto está farto de ouvir uma crítica ao comportamento dos brasileiros: “O brasileiro não reclama de nada!”. É justamente o contrário: o brasileiro reclama de tudo.

Outra noite, estava em um trem e, em determinada estação, os vagões pararam e o condutor avisou pelo sistema de som: “Desculpem, mas o carro está com defeito e todos terão de descer aqui”. O que aconteceu em seguida foi algo inverossímil para um brasileiro: os passageiros desembarcaram calmamente, em ordem, sem que ninguém, NINGUÉM!, sequer tivesse feito um muxoxo de protesto.

Tenho observado idêntico comportamento em outras situações do gênero. Uma fila demorada, um atendimento atrapalhado, pequenas confusões que fariam brasileiros dar discurso a respeito dos seus direitos são encaradas com paciência e naturalidade pelos americanos.

Por que isso?

Porque os americanos sabem que não estão sendo enganados.

O brasileiro grita, espeta o dedo no nariz do outro, reclama de tudo porque a todo momento e em todo lugar há alguém tentando enganá-lo. O brasileiro é um desconfiado porque é um sofrido. Ele sabe que só se dará bem na vida se puder contar com os favores de pessoas mais poderosas ou que gozam de certa influência. Donde, a necessidade de dar explicações e contar histórias tristes. De fornecer informação em excesso. O brasileiro sabe que precisa COMOVER o outro para ter o seu direito assegurado.

“O senhor me desculpa, mas preciso disso porque minha mãe está muito doente, apareceram uns tumores horríveis no pescoço dela, ela fica toda inchada e as pústulas estouram e o cheiro é podre e...”

Se um americano ouve, sai correndo. Ele dispensa essas intimidades, porque ele também não pretende expor suas intimidades. TMI.

Essa é a origem do jeitinho brasileiro. E do nosso cinismo. Quando tudo depende da boa vontade alheia, você sabe que em tudo pode haver logro e dissimulação. E você deixa para lá, porque afinal “é assim mesmo...”.

Por que os governos cometem irregularidades? Porque sempre cometeram. Por que não devem ser punidos? Porque nunca foram.

Não importa o que está na lei, importa se é “justo”, e o que é justo depende do que eu acho, do que você acha e, sobretudo, do que quem manda acha. No Brasil temos todos de falar demais, argumentar demais, dar informação demais. Porque o que pode às vezes não pode. E o que não pode, sabe-se lá, talvez possa.

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