sexta-feira, 29 de abril de 2016


29 de abril de 2016 | N° 18512 
MÁRIO CORSO

Minoria incompreendida


Sempre gostei de nossos índios, sofro pelo descaso brutal que temos para com eles, mas nunca senti uma identidade próxima, até descobrir como eles se referem a nós em língua bororo. Nos chamam de kidoe-kidoe, papagaio-papagaio seria a tradução literal, mas a duplicação é para dar ênfase ao sentido: aqueles que, como esses pássaros, falam muito.

Definição perfeita, somos uma civilização tagarela, temos aversão ao silêncio, nossa falação é quase um esporte. Ao contrário, nossos índios, de todas as três Américas, revelam uma postura mais econômica com as palavras. São breves, falam apenas quando devem. Enquanto nós gastamos e inflacionamos o verbo, eles mantêm uma postura reverencial à fala.

Duas civilizações e duas maneiras de se relacionar com a palavra. Cada uma com suas vantagens e desvantagens. Difícil dizer qual a melhor, afinal são estratégias de encarar a vida e o mundo. A questão é que existem muitos índios entre nós, como deve haver papagaios entre eles. Esses índios deslocados são uma minoria incompreendida: os silenciosos.

Eu sou um deles. Falo pouco, não raro levando meu interlocutor à exasperação. O Carpinejar é quem mais enlouqueço com meu silêncio. Minha família já está acostumada, aprendeu a conviver com meu laconismo. Por outro lado, não me importo quando falam, sou um bom ouvinte, posso escutar durante horas qualquer tagarelice. E não é de hoje, minha mãe conta que só com dois anos eu pronunciei minha primeira palavra.

A questão é que nós, os silenciosos, não temos um impulso à fala. O silêncio não nos angustia. Não nos faltam palavras, nem ao menos as procuramos, apreciamos a poesia do silêncio. Somos índios extraviados e, como eles, respeitamos as palavras e não as gastamos em vão. Não se trata de negar algo a alguém, negar uma fala. Trata-se de apreciar a pausa entre elas. Quando usada com parcimônia, a palavra ganha outra densidade.

Poderíamos colocar isso de outra forma: a vida necessita ser narrada ao vivo? Para algumas pessoas, sim. Muitas parecem que só existem se estão falando. Falar as ancora na vida, precisam colonizar o espaço sonoro com seus detalhes mínimos sobre tudo. Parece uma saudável gula de viver duas vezes, quando fazem e quando contam. E, afinal, é assim que entendemos nossos caminhos.

Uma observação de uma pessoa que viveu no Japão: eles ligam o prazer à quietude, enquanto nós, ao barulho. Uma festa aqui necessita ser ruidosa para ser considerada boa, enquanto para eles o luxo é o silêncio. Talvez nós, os silenciosos, além de índios cercados de caras-pálidas, sejamos japoneses nascidos no lugar errado.

Mais uma questão: quando dois índios se encontram, como fica? Sem dramas, sou amigo do Mauro Fuke, e, como ele é ainda mais silencioso, eu fico ligeiramente tagarela.

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