01 de abril de 2016 | N° 18488
CLÁUDIA LAITANO
Torcida mista
Nunca pensei que eu fosse dizer isso, mas os brasileiros precisam aprender bons modos com os torcedores de futebol. Bom, pelo menos com uma minúscula parcela deles – aqueles que dividem alegrias e decepções com os adversários nos espaços reservados às torcidas mistas nos estádios.
É civilizatório dar rosto, voz e alma ao adversário, já que a raiva, muitas vezes, se alimenta da despersonalização. Somos menos propensos ao discurso do ódio se quem veste a camisa do outro time é o amigo de infância, o cunhado boa-praça, a namorada.
A não ser que estejamos em guerra com outros planetas ou lidando com psicopatas sedentos de sangue e aniquilação de liberdades, todos os adversários merecem ser honrados, no mínimo, com o reconhecimento de que sua existência é legítima. Por mais fanáticos que sejam, gremistas e colorados não são definidos apenas pelo time para o qual torcem.
Quando o outro é reduzido a um único aspecto (crença, nacionalidade, ideologia, classe social), torna-se muito mais fácil imputar-lhe culpas reais ou imaginárias. De qualquer forma, ninguém deveria ser definido pela fé fora da igreja, pela ideologia fora do debate de ideias – pela etnia e pelo sexo em lugar nenhum. Quando o gremista não pode entrar no bar do colorado ou vice-versa, o prejuízo não é do time, mas do tecido social. A torcida mista é um singelo gesto de resistência contra tudo aquilo que impede que rivais se reconheçam – e se aceitem.
A notícia de que uma pediatra deixou de atender um paciente pela convicção ideológica dos pais deveria servir como exemplo do absurdo extremo da guerra civil ideológica que se instalou no país nos últimos tempos. Uma crise muito mais grave e desoladora do que a da economia ou da política – porque essas vão acabar passando mais cedo ou mais tarde.
A missão de arejar esse ambiente tóxico e irrespirável não é dos políticos em Brasília, mas de cada um de nós: médicos, taxistas, jornalistas, diretores de cinema, artistas, donas de casa, militares, advogados... A presidente pode cair ou não, a corrupção pode ter sofrido um golpe mortal ou apenas um cutucão, a economia pode voltar a florescer ou ficar pior ainda. A única certeza que temos é de que nunca torceremos todos para um único time. Abrir espaço para uma torcida mista nessa arena de guerra é a única maneira de voltarmos a ter alguma alegria em campo.
A partir da próxima semana, dou uma folga aos leitores para realizar o sonho antigo de um bimestre sabático. Nesse período, o psicanalista Mário Corso assume este espaço. Até mais!
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