terça-feira, 12 de abril de 2016


12 de abril de 2016 | N° 18497 
DAVID COIMBRA

De que cor é a igualdade


Obama é negro, sempre será negro, morrerá negro, a não ser que se transforme em um Michael Jackson. Mas ele sabe que não pode ser, não é nem nunca será o presidente dos negros.

Lula foi pobre, não é mais pobre, provavelmente jamais voltará a ser pobre, mas repete a todo momento que seu governo foi o governo dos pobres.

Antes de se eleger, na campanha de 2002, não dizia isso. Lula chegou a afirmar em carta que seria o presidente de todos os brasileiros, e muito por causa disso foi eleito.

O discurso de que os governos do PT são governos “a favor dos pobres”, sendo, evidentemente, “contra os ricos”, numa pretendida luta de classes, é mais estratégico do que realístico. Os governos do PT, de fato, criaram alguns bons programas sociais, mas estruturalmente não foram diferentes dos governos anteriores, da sua presuntiva nêmesis, o PSDB.

Ao contrário: estruturalmente, os “ricos” beneficiaram-se mais com o chamado “governo dos pobres” do que os pobres.

O discurso de governo dos pobres, que de alguma forma sempre permeou o imaginário dos petistas, só foi assumido pelo ladino Lula a partir de 2005, devido aos escândalos do mensalão, como estratégia de defesa.

Esse discurso, precisamente esse discurso, é a causa do clima belicoso do país, nestes últimos anos. Os petistas reclamam do ódio que grande parte do Brasil sente por eles. A origem do ódio está aí.

Quando um petista repete que o governo do PT é perseguido por ser “o governo dos pobres”, está retroalimentando o ódio do qual se queixa.

Um governo, qualquer governo, tem de ser o governo de todos, não de alguns. Um governo tem de ser governo das maiorias e das minorias. Tem de administrar a nação e prestar um bom serviço público ao conjunto dos cidadãos, não a uma classe.

No Brasil e nos Estados Unidos, há negros, brancos, pobres, ricos, há de um tudo. Um governante negro tem de governar para negros e brancos, e um governante rico tem de governar para ricos e pobres.

É claro que a tarefa do Estado é dar proteção a quem mais necessita. Esse é o papel dos programas e das intervenções pontuais dos governos na correção de injustiças e graves desigualdades. Mas, sistematicamente, o Estado tem de garantir condições para que a todos os cidadãos sejam dadas oportunidades iguais.

Este detalhe é fundamental: o Estado não tem de garantir igualdade entre os cidadãos – porque as pessoas são diferentes umas das outras. Tem de garantir igualdade de condições e de oportunidades – para que as pessoas possam, se quiserem, tornar-se iguais.

Pegue um programa bem-intencionado do governo como exemplo: as cotas raciais nas universidades.

Esse programa foi inspirado em iniciativas idênticas que existem nos Estados Unidos. Começa aí o equívoco. Nos Estados Unidos, a história e a condição dos negros são diferentes das do Brasil. Nos Estados Unidos, a minoria negra sempre viveu oprimida pelos demais extratos sociais. Eram os 12% de negros embaixo e o resto em cima. No Brasil, os oprimidos são os pobres. Negros e brancos pobres igualam-se na desgraça. Assim, quando você privilegia um negro pobre, está cometendo injustiça contra um branco pobre.

Como resolver esse problema?

Assegurando aos pobres escolas públicas tão boas ou até melhores do que as privadas. Desta forma, negros e brancos pobres chegariam à universidade em iguais condições com os ricos.

É muitíssimo mais fácil, porém, estabelecer um sistema de cotas. Dá menos trabalho, menos incomodação e ainda garante ao governo o rótulo de defensor dos negros. Mais: quem critica o sistema de cotas ganha também o seu próprio rótulo de defensor do status quo, de inimigo da igualdade racial e até de racista.

É uma bela cilada. Há outras. Sobre as quais falarei amanhã.

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