13 de abril de 2016 | N° 18498
DAVID COIMBRA
A cilada
Imagine os 204 milhões de brasileiros reunidos em alguma imensa planície, digamos, do deserto do Planalto Central. O locutor que comanda o evento grita, e sua voz ecoa pelo potente sistema de som:
– Quem aí é racista, levante a mão! Ninguém se mexe. – Agora quem é contra os pobres!
Todos imóveis. – Agora os homofóbicos! Nada. As pessoas até podem admitir que cultivam certos preconceitos, mas ninguém reconhece fazer discriminações. É feio fazer discriminações.
Das bocas de Marco Feliciano e Jair Bolsonaro, ouvi uma mesma frase:
“Eu não sou homofóbico!”. Sei...
Esse conceito a respeito dos preconceitos desenvolveu-se a partir da II Guerra Mundial, quando a democracia passou a ser vista, no Ocidente, como um bem em si mesmo. A democracia da Inglaterra e dos Estados Unidos venceu os regimes totalitários. A democracia era boa. Então, os valores pregados pela Revolução Francesa, “liberdade, igualdade e fraternidade”, tornaram-se valores universais do homem ocidental. Passaram a ser ideais de vida, não apenas ideais políticos.
Tudo isso é ótimo, só que amplia as possibilidades de demagogia em várias frentes.
O exame que as pessoas fazem de qualquer questão em geral é superficial, até porque as pessoas estão preocupadas com seus próprios assuntos, o filho que joga muito videogame, o preço do aluguel, aquela morena do escritório que anda se insinuando.
Assim, tudo que você fizer ou disser que pareça a favor de negros, pobres, mulheres e homossexuais será considerado bom, e, se outra pessoa traçar qualquer ressalva a respeito disso, a ressalva será considerada ruim, e a pessoa será considerada preconceituosa.
É esquemático e fácil de entender.
É uma cilada demagógica.
Os governos do PT usaram essa estratégia com fartura.
Se você fizer uma ponderação a respeito das cotas raciais nas universidades ou a respeito do programa Mais Médicos, os governistas jogarão na sua cara o argumento de que você é contra os negros e contra os pobres. Aí você tem de fazer um longo arrazoado se explicando, e ninguém tem paciência para ler ou ouvir tudo aquilo.
É muito engenhoso.
E também muito útil. Se você quiser parecer bonzinho ou defensor das minorias, basta ser óbvio. Diga ou escreva platitudes como:
“No Brasil, o racismo é disfarçado, o que talvez seja pior do que o racismo escancarado”.
“Existe muita violência contra a mulher, e às vezes a violência está dentro do próprio lar. Às vezes, ela dorme com o inimigo”. Zzzzzz...
O problema desse discurso banal é que, com o tempo, as pessoas vão não exatamente identificando, mas sentindo as contradições. Porque, mesmo que você seja uma mulher negra, pobre e homossexual, você, em algum momento, estará do outro lado. Você perceberá alguma demagogia e, ao contestá-la, ouvirá o contra-argumento surrado: “Você é preconceituoso”. E então você verá que tem algo ainda mais errado em todo esse sistema.
Ou seja: haveria um momento em que a “elite branca” reagiria. O homem que trabalha duro, que sustenta sua família com um salário, que tenta fazer as coisas certas, cansou de ouvir que, por não concordar com alguma ação do governo, é preconceituoso, é contra os pobres, é machista, é racista, é homofóbico. E aí, de raiva, ele até pode se tornar tudo isso.
Lula sabe que dividiu o país ao se valer dessa estratégia. Nesta semana mesmo, em discurso, ele tentou se defender. Começou dizendo que foi o presidente de todos. Terminou dizendo que a elite não aceita pobre em universidade.
Essa postura demagógica e completamente equivocada dos governos do PT teve outra consequência importante para o Brasil. Sobre a qual falarei amanhã.
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