quarta-feira, 20 de abril de 2016


20 de abril de 2016 | N° 18504 
MARTHA MEDEIROS

Cumplicidade


Quem é amigo de quem naquele antro situado no Planalto Central? Temer é aliado de Cunha? Cunha é parceiro de Calheiros? Calheiros está do lado de Jucá? As respostas não importam, uma vez que lealdade nunca foi assunto levado a sério em Brasília. É certo que um dia ainda veremos Dilma e Aécio abraçados, Lula beijando a mão de Janaína Paschoal e todos cortejando a todos, bastando para isso conveniências políticas e um esquecimentozinho básico (e, claro, desde que permaneçam todos soltos, livres da cadeia ou do hospício). Já vi esse filme várias vezes e, mesmo consciente da seriedade do momento, não tenho mais paciência para esse elenco de canastrões.

Vamos trocar de filme?

Cumplicidade é o assunto do excelente Truman, coprodução espanhola e argentina com o ator Ricardo Darín, que conquistou o padrão Fernanda Montenegro de dramaturgia – qualquer coisa que ele faça em frente à câmera é fenomenal, mesmo que apenas respirar. E com o também excelente Javier Cámara, que com um texto mínimo alcança a mesma potência cênica. Olhares, gestos, silêncios e rápidas observações satíricas bastam para compor uma conjuntura de emoções intensas.

Dois amigos de uma vida inteira que se reencontram quando um deles adoece com gravidade. Dois homens que moram em continentes diferentes, mas que nunca deixaram de ser íntimos. Na verdade, três, pois há um cachorro na história (o Truman do título). A amizade verdadeira não precisa de muitas palavras. Quem tem um cão sabe.

Eu esperava uma longa conversa sobre a vida e a morte (e não acharia ruim), mas o filme é absolutamente fiel ao universo masculino: homens não são de muita filosofice, e isso me fez sair do cinema ainda mais encantada pela classe. Não todos, mas muitos homens são daquele jeito mesmo que a gente vê na tela: emotivos, engraçados, econômicos, sensíveis, sem frescuras, avessos ao dramalhão e levemente safados. 

Há, bem perto do final, uma cena que causa certo desconforto, mas que o personagem de Darín resume com duas palavras: “Faz sentido”. E faz. Porque é difícil racionalizar diante da dor, nem todos sabem como externar seu sofrimento, somos todos carentes diante de uma situação-limite, e, às vezes, o que parece gratuito é apenas uma forma de arrancar a fórceps o que está represado dentro. Como explicar? Não tem explicação. É por ser assim, instintivo, que o que aparenta ser errado ganha o selo da pureza.

Cúmplice, em política e na bandidagem, é aquele que comete um crime junto com você. Nas relações de amizade – e no cinema de qualidade, que não apela para o sentimentalismo barato –, cúmplice é aquele que não julga, simplesmente compreende e, sem muitas perguntas, segura tua mão.

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