sábado, 2 de janeiro de 2016

Recessão brasileira pode comprometer economia por dez anos


No período entre 2011 e 2020 o Brasil avançará quase nada. Por que ficamos parados?

Observador da economia  (Foto: Época )

Na história e na memória de muitos brasileiros, os anos 1980ficaram registrados como a década perdida. Após o período do milagre econômico e um ano de crescimento espetacular, 1980, o Brasil entrou numa fase dramática de estagnação social e econômica. A tristeza daquele momento podia ser observada na falta de expectativas dos cidadãos: o sonho típico do jovem brasileiro instruído e de classe média era deixar o país. Pois aconteceu de novo.

Após outro período de robusto crescimento, desta vez com progresso social, e outro ano redondo de crescimento espetacular, 2010, caímos na mesma armadilha de que parecíamos ter escapado. O ano que termina dá sinais claros de que estamos, novamente, no meio de uma década perdida. As projeções, mesmo as mais otimistas, indicam que o brasileiro chegará a 2020 mais pobre do que estava em 2011. A renda não conseguirá vencer a inflação, nem a produção conseguirá superar a pobreza. Haverá como escapar, de novo, da armadilha?

A resposta que a presidente Dilma Rousseff deu a essa pergunta foi asubstituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda. Ao longo do ano de 2015, Barbosa manteve uma disputa surda com Levy dentro da área econômica do governo. O último capítulo dessa disputa se deu em torno do valor que o setor público brasileiro se propõe a poupar em 2016 – a recomendação dos economistas era 2% do Produto Interno Bruto (PIB), dada a situação de caos da dívida pública brasileira. Joaquim Levy propôs um valor bem mais tímido, 0,7%. Barbosa queria poupar ainda menos, 0,5% – e foi sua opinião que prevaleceu. Numa situação em que os principais problemas do país – inflação, desemprego, falta de confiança dos investidores – decorrem do excesso de gastos públicos, Nelson Barbosa é o nome certo para a Fazenda? Por esse episódio, e por seu retrospecto, há dúvidas.

A nomeação de Barbosa se deu numa semana recheada de notícias ruins naeconomia. Uma segunda grande agência global de classificação de risco, a Fitch, tirou do Brasil o selo de destino seguro para empréstimos, o “grau de investimento”. Ao menos 18 grandes empresas brasileiras foram rebaixadas na mesma leva, incluindo Bradesco, Itaú e Petrobras. A terceira grande agência, a Moody’s, é a única a ainda manter o “grau de investimento”, mas é questão de tempo para que o país perca essa nota. Para coroar o momento tenebroso, o banco central dos Estados Unidos, o Fed, a fim de conter uma inflação nascente, começou a elevar os juros no país, após nove anos de taxas estáveis ou em baixa. Isso atrai dólares para lá. As novidades ruins significam menos dinheiro disponível no Brasil, ou seja, menos negócios, menos investimento e menos empregos. A situação é séria a ponto de ninguém esperar reversão em menos de dois anos. “O Brasil dá sinais de fraqueza e piora do ambiente econômico desde 2012 e não vejo chance de recuperação antes de 2019”, afirma Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria e ex-presidente do Banco Central. “Vamos passar aí quase uma década com crescimento muito baixo.”

Antever uma década perdida deixou de ser vaticínio pessimista. Mesmo que o país volte a crescer nos anos à frente e se encontre num bom momento ao fechar a década – o que é perfeitamente possível –, deveremos chegar a 2020 em condições econômicas e sociais parecidas com as de 2011 (leia nos gráficos).

Juros e inflação, no Brasil, mantêm-se em níveis muito acima dos razoáveis para o mundo desenvolvido. No fim da década, continuarão assim. Um dos indicadores mais fundamentais de desenvolvimento é o PIB (Produto Interno Bruto) per capita, ou a produção total do país dividida por seu número de habitantes. Não se trata de um indicador perfeito, mas dá uma ideia bem razoável do nível de bem-estar da população. Nos bons anos 2000, o PIB per capita brasileiro, em dólar, avançou da casa dos US$ 3 mil para mais de US$ 10 mil. Nos anos à frente, esse indicador rolará ladeira abaixo. “O assalariado ganha hoje 35% menos que no início do primeiro mandato da presidente Dilma”, diz o consultor Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). 

Numa projeção com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), Troster afirma que um cenário ruim, porém realista, é que o país volte a crescer em ritmo forte e sustentável, acima dos 3% ao ano por anos seguidos, somente em 2024. É difícil o país reduzir seus níveis de pobreza com crescimento inferior a 2,5% ao ano – a média de crescimento global, neste ano, será 3%. Crescer em ritmo forte daqui a cinco ou dez anos será, provavelmente, mais difícil para o Brasil, porque a população estará estável e envelhecendo. Por isso, a perda de uma década significa uma tragédia social.
Década perdida - Renda do cidadão (Foto: Época)
Década perdida - Juros altos (Foto: Época)
A década perdida - Inflação (Foto: Época)
Podem-se ler variações do mesmo prognóstico ruim a respeito do Brasil em relatórios do FMI, das grandes consultorias e dos maiores bancos. Na avaliação do Bradesco, o PIB per capita recuará da casa dos US$ 13 mil para perto de US$ 10 mil ao longo da década. E o PIB crescerá, na média, 1,5% ao ano, abaixo do necessário para abrir postos de trabalho suficientes. “Não conseguimos ainda enxergar uma estabilização da economia”, afirma Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor de Política Econômica do Banco Central. Varia a forma de apresentar o problema. “Acho um exagero falar que já estamos no rumo de uma década perdida – embora os riscos de que isso aconteça não sejam pequenos”, afirma Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda. Mas o economista não deposita suas esperanças no futuro próximo. “O Brasil começou a viver, nos últimos dois anos, o que pode ser o mais longo período de baixo crescimento de sua história. Uma possível reversão só se dará a partir de 2019 e com uma renovação de lideranças”, diz.

Num momento de mais sorte, o Brasil talvez pudesse contar com um puxão de forças externas, como uma forte expansão da economia dos Estados Unidos ou da China. Não há no horizonte sinal desse tipo de alento. O crescimento nos Estados Unidos deverá continuar tímido e o da China em desaceleração. A Argentina, sob o novo governo de Mauricio Macri, tem boas perspectivas. Mas demorará a resolver a própria crise e se tornar novamente um parceiro comercial promissor para o Brasil.

O governo, usualmente fonte das projeções mais otimistas, reconhece obstáculos sérios no caminho. Levy afirmou que o Brasil retomará sua expansão no fim de 2016, contrariando a maioria das projeções do mercado, que aguardam esse fenômeno apenas em 2017. Mas admite que o país não está pronto para sustentar esse crescimento. “Precisamos estar preparados para que daqui um ano, quando a economia voltar a crescer, a gente tenha enfrentado essas questões da oferta”, disse ele, em outubro. “Questões de oferta” significa conseguir gerar produtos e serviços em volume que atenda à demanda, sem que haja estrangulamentos de energia, estradas ou crédito. 

Corrigir ao menos alguns desses aspectos exige que o governo inspire confiança no mercado – algo que parece impossível neste momento. Muitas medidas para corrigir as distorções não exigem dinheiro. Simplificação de regras e um rumo claro poderiam fazer muito para facilitar a abertura de empresas, atrair capital externo e incentivar a oferta de crédito privado de longo prazo no país. Mas nada disso está sendo feito. Com as crises econômica e política alimentando uma à outra, nada indica que essas peças, fundamentais para o desenvolvimento, estarão no lugar, à espera do crescimento, venha ele em 2016 ou 2017.

Diante de uma década perdida, o que fazer? Por mais desanimador que soe o prognóstico de médio prazo, deve-se lembrar de que o crescimento e o desenvolvimento não serão retomados por simples gravidade, nem no longo prazo, nem nunca. Não há lei cósmica a empurrar sociedades no rumo da prosperidade. Se os brasileiros quiserem que a próxima década seja diferente da atual, será necessário construir as condições para que isso ocorra. Parte do avanço talvez esteja no nascedouro. Se chegarmos à próxima eleição presidencial com corruptos mais receosos de roubar e candidatos mais receosos de mentir, estaremos no rumo certo.

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