quinta-feira, 7 de janeiro de 2016



07 de janeiro de 2016 | N° 18407 
PAULO GERMANO

O solitário da praia

Seu Aílton passava dois meses sem ver ninguém – e sem falar com ninguém. Quando nos viu chegando, abriu um sorriso largo no rosto castigado pelo sol e implorou: – Por favor, entrem! Entrem, por favor!

Era um quintal de areia fofa, o chalé de madeira ao fundo. Bem de frente para o mar. Bem no meio dos 150 quilômetros de orla inabitada entre a Praia do Cassino e a do Hermenegildo, no sul do litoral gaúcho. Seu Aílton não tinha celular, nem telefone fixo, nem internet, nem TV. Porque não havia antena ou sinal que chegasse lá – não havia sequer estradas que chegassem lá.

Nós só chegamos, eu e o fotógrafo Bruno Alencastro, porque tínhamos alugado um jipe no Hermenegildo para desbravar pela beira-mar aquele hiato de civilização. Era janeiro de 2013, fazíamos a cobertura de verão para o jornal.

– Nessa época do ano, às vezes até aparece alguém. Mas no inverno é muito triste: olho para um lado, olho para o outro e sinto vontade de… de… sei lá – disse seu Aílton baixando a cabeça, e o Bruno me olhou aflito.

Solteiro e sem filhos, ele morava naquele ermo havia 14 anos, desde que aceitara o convite de uma florestadora para cuidar da plantação de pinheiros na orla. Seu trabalho era zelar pelas árvores, olhar para elas. Só isso. De tempos em tempos, a única pessoa com quem conversava um pouquinho batia à sua porta: era um funcionário da empresa, que levava seu pagamento e o rancho do supermercado.

– Como é que alguém vive assim? – o Bruno me perguntou quando seu Aílton entrou no chalé.

Ele voltou lá de dentro com uma caixa de papelão, onde se amontoavam oito filhotes de cães. O pai e a mãe, dois vira-latas, vieram junto. Senti certo alívio, havia algum tipo de companhia.

– O senhor tem amigos, seu Aílton! – sorri, finalmente.

– Meu lazer é caminhar na praia com eles. Caminho bastante: vou indo, indo, indo… e depois volto.

Achei triste. Olhei para aquele infinito de areia, o mar até bem claro em um dia lindo, e pensei qual era o sentido daquela paisagem sem gente para compartilhá-la. E acho que o Bruno pensou o mesmo porque partiu dele a pergunta seguinte:

– E as namoradas, seu Aílton?  Já tive algumas. Sorri de novo, o Bruno também. – Só que elas sentem falta da novela, dizem que aqui é aborrecido – ele baixou a cabeça de novo.

Depois de três horas de conversa e um bule de café passado, nos despedimos. Senti um nó na garganta quando lhe dei um abraço, e foi aí que ele me pediu, olho no olho:

– Por favor, apareçam de novo. – Claro, seu Aílton, pode deixar. Nunca mais apareci. Toquei minha vida e o deixei para trás – não sei nem se ele segue lá.

De vez em quando, no chope com os colegas ou no sorriso dos amigos, seu Aílton me vem à cabeça. Seria uma boa visitá-lo em fevereiro, quando entro em férias. Sempre é uma boa ouvir alguém dizer:

– Por favor, entre! Entre, por favor!

* O colunista David Coimbra está em férias.

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