03 de janeiro de 2016 | N° 18403
L. F. VERISSIMO
Criadores
O doutor Victor Frankenstein finalmente procurou um advogado. Que o recebeu com surpresa, e depois se desculpou:
– É que eu vi o nome “Frankenstein” na minha agenda e pensei...
– Que eu era o monstro, não é? Todo mundo se engana. Frankenstein sou eu, não o monstro que eu criei. Ele não tem nome, mas se apresenta como “Frankenstein”, e está fazendo uma carreira artística de sucesso, ganhando muito dinheiro. Com o meu nome! É sobre isso que vim consultá-lo.
– O senhor quer que...
– Que ele pare de usar o nome “Frankenstein”. E me pague por ter usado o nome sem minha permissão, todos esses anos. Quero meus direitos de criador! Fui eu que juntei e costurei as partes do seu corpo, fui eu que dei vida ao monstro. Tudo sem receber um tostão! Ou ao menos um “muito obrigado”.
– Vamos ver o que se pode fazer – disse o advogado.
Semanas depois, o dr. Frankenstein foi chamado ao escritório do advogado. Que lhe deu a notícia:
– A questão da sua ação contra o Frank... Digo, contra o monstro que usa o seu nome, se complicou.
– Como? – Apareceu outra pessoa que se diz criadora do monstro. Aliás, ela alega que criou o senhor também.
– O quê? Quem é essa impostora?
– O nome dela é Mary Shelley. Escritora. Ela diz que inventou o senhor e que o senhor inventou o monstro, portanto ela se considera criadora dele também. E também reclama que nunca recebeu nada dele.
– Não podemos fazer um acordo com ela? Dividir os direitos de criação, qualquer coisa assim?
– Vamos ver o que se pode fazer – disse o advogado. Foi feito o acordo com Mary Shelley. Mas...
– Surgiu outro que se diz criador – disse o advogado. – Quem? – perguntaram o dr. Frankenstein e Mary Shelley, em uníssono.
– Deus. – Deus Nosso Senhor? Criador do céu e da terra?
– O mesmo. Ele diz que guiou a mão de Mary Shelley quando ela escreveu o livro. Que guia a mão de todos os artistas. E que dá vida a todas as criaturas, monstruosas ou não.
– E Ele quer receber os direitos de criação também?
– Quer, mas está disposto a conversar. O que vocês acham?
– Sei não... – disse Mary Shelley.
E o dr. Frankenstein: – Não se estaria criando um precedente?
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