sábado, 2 de janeiro de 2016



03 de janeiro de 2016 | N° 18403 
L. F. VERISSIMO

Criadores

O doutor Victor Frankenstein finalmente procurou um advogado. Que o recebeu com surpresa, e depois se desculpou:

– É que eu vi o nome “Frankenstein” na minha agenda e pensei...

– Que eu era o monstro, não é? Todo mundo se engana. Frankenstein sou eu, não o monstro que eu criei. Ele não tem nome, mas se apresenta como “Frankenstein”, e está fazendo uma carreira artística de sucesso, ganhando muito dinheiro. Com o meu nome! É sobre isso que vim consultá-lo.

– O senhor quer que...

– Que ele pare de usar o nome “Frankenstein”. E me pague por ter usado o nome sem minha permissão, todos esses anos. Quero meus direitos de criador! Fui eu que juntei e costurei as partes do seu corpo, fui eu que dei vida ao monstro. Tudo sem receber um tostão! Ou ao menos um “muito obrigado”.

– Vamos ver o que se pode fazer – disse o advogado.

Semanas depois, o dr. Frankenstein foi chamado ao escritório do advogado. Que lhe deu a notícia:

– A questão da sua ação contra o Frank... Digo, contra o monstro que usa o seu nome, se complicou.

– Como? – Apareceu outra pessoa que se diz criadora do monstro. Aliás, ela alega que criou o senhor também.

– O quê? Quem é essa impostora?

– O nome dela é Mary Shelley. Escritora. Ela diz que inventou o senhor e que o senhor inventou o monstro, portanto ela se considera criadora dele também. E também reclama que nunca recebeu nada dele.

– Não podemos fazer um acordo com ela? Dividir os direitos de criação, qualquer coisa assim?

– Vamos ver o que se pode fazer – disse o advogado. Foi feito o acordo com Mary Shelley. Mas...

– Surgiu outro que se diz criador – disse o advogado. – Quem? – perguntaram o dr. Frankenstein e Mary Shelley, em uníssono.

– Deus. – Deus Nosso Senhor? Criador do céu e da terra?

– O mesmo. Ele diz que guiou a mão de Mary Shelley quando ela escreveu o livro. Que guia a mão de todos os artistas. E que dá vida a todas as criaturas, monstruosas ou não.

– E Ele quer receber os direitos de criação também?

– Quer, mas está disposto a conversar. O que vocês acham?

– Sei não... – disse Mary Shelley.

E o dr. Frankenstein: – Não se estaria criando um precedente?

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