31 de janeiro de 2016 | N° 18431
MOISÉS MENDES
O humor acovardado
Os humoristas brasileiros enfrentam uma crise constrangedora. Não os humoristas de jornal e revista, que se dedicam ao humor gráfico da charge e do cartum, mas os de TV, rádio e internet. Crises política e econômica, que mobilizam humoristas na Grécia e no Azerbaijão, não existem para o humor da TV brasileira.
Está cada vez mais evidente que o humor político da TV foi sepultado junto com o fim dos trocadilhos do Casseta & Planeta, há cinco anos. O humor que sobrevive nesse meio é diversionista. Ainda faz piada com suburbanos, desdentados e analfabetos.
Na internet, a turma do Porta dos Fundos produz humor dito de costumes (que se repete num filme com estreia prevista para junho), num momento em que o mundo desaba sobre as cabeças de Dilma, Lula, Marisa e Eduardo Cunha e nunca desabará sobre as cabeças de Aécio e de nenhum tucano.
Daqui a alguns anos, quando fizerem a arqueologia da primeira grande crise brasileira do século 21, não encontrarão nenhum quadro da TV, nenhum personagem, nada sobre a tentativa de golpe. Não acharão nenhum humorista imitando Eduardo Cunha caminhando pelo Salão Verde da Câmara em direção aos repórteres.
Não haverá um registro, um sequer, de alguém que tenha caricaturado Bolsonaro ou Zé Agripino na TV. E que personagens são o Bolsonaro e o Zé Agripino. Desde Itamar o Brasil não tinha personagens que já nascem como caricaturas.
E o que faz o humor? No máximo, se esbalda na Dilma gerentona e em seus discursos. A maioria se protege na irrelevância, para não correr riscos. A geração Porta dos Fundos e seus imitadores no YouTube fazem uma piada por semana sobre a Bíblia e os profetas. Abraão e Isaías nunca irão incomodá-los.
Repetem-se piadas sobre festas de amigo secreto, chefe chato e o descobrimento do Brasil. Mas poupam os políticos. E todo mundo ri. O humor da TV e da internet passa ao largo dos golpistas e das figuras fantásticas da direita que nunca sofreram escracho.
Há humor político na TV da Ucrânia, mas não na TV brasileira. As mulheres do humor russo arriscam o pescoço debochando de Putin. Os machos do humor brasileiro nos pedem para rir de quadros sobre papagaios, garçons e travestis. O Brasil pode acabar na semana que vem, e a TV e os sites de humor tiram sarro dos surdos.
Imagine que um dia desses, ao acordar, você descobre que o Eduardo Cunha é o novo presidente do Brasil. Enquanto isso, o humor da TV ainda se diverte com piadas sobre guerras de casais, inspirado em Adão e Eva.
Um país em crise, que não ri das suas desgraças, como nos ensina o psicanalista Abrão Slavutzky, em Humor é Coisa Séria (Arquipélago Editorial), está condenado a sofrer ainda mais. Nem no tempo da ditadura o humor político se encolheu como agora. O que aconteceu lá atrás foi o contrário – a resistência ao regime se deu também pela força do humor. E, às vésperas da redemocratização, até as piadas com militares contribuíram para a distensão.
Pobre humor nacional do século 21. Salvam-se os nossos cartunistas. Os outros, em maioria, acovardaram-se. Deveriam ter visto uma charge dos anos 40, de um cartunista francês, sobre o avanço do nazismo na II Guerra. Um personagem reúne os amigos e recomenda: se os nazistas nos matarem, vamos tentar enganá-los fingindo que continuamos vivos.
O humor de TV, alienado, alheio a tudo, como se nada do que acontece a sua volta fosse com ele, ainda tenta fingir, mas está politicamente morto.
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