06 de janeiro de 2016 | N° 18406
MARTHA MEDEIROS
Arte de rua
Miami sempre esteve na minha lista de cem lugares a evitar antes de morrer. Acreditava que a cidade fosse apenas um grande shopping a céu aberto, e minha paciência é curta para o entra e sai de lojas.
Até que em 2011 me convidaram para participar da Feira do Livro de Miami e meus preconceitos começaram a ruir. Feira do Livro? Em Miami? Descobri que não só se lia em Miami, como também se ia ao cinema, a concertos de música erudita e a galerias de arte – inúmeras. Aliás, em Miami acontece uma das maiores feiras de arte dos Estados Unidos, a Art Basel, que na primeira semana de dezembro atrai artistas do mundo todo. Retirei-a da minha lista de antipatias.
Dias atrás, retornei à cidade para mergulhar nas águas cálidas de South Beach, virar o ano longe das más notícias do Brasil e disposta a conhecer o bairro de Wynwood, que alcançou projeção instantânea por sua arte de rua.
Não se fala de outra coisa por lá. Era uma área de má fama, lotada de galpões abandonados. Até que um empresário chamado Tony Goldman convocou alguns artistas para juntos apresentarem uma mostra de 40 muros grafitados. Nascia o Wynwood Walls. Um museu ao ar livre. Pop. Colorido. Impactante. Estavam salvos o bairro e a reputação de Miami.
Hoje são centenas de murais, um ao lado do outro, rua após rua – uma festa para os olhos e o espírito. Ao redor, se instalaram restaurantes, ateliês, lojas conceituais, tatuadores, coffee shops, todo um comércio voltado para consumidores descolados, que rejeitam o lugar-comum.
Galões de tinta, inspiração e boa vontade: uma fórmula simples para transformar o feio em bonito, o velho em novo – ainda que me pareça um pouco estranho ver aqueles turistas todos (eu inclusive) perambulando pelas ruas como se estivessem num zoológico de paredes, fazendo selfies contra muros, marcando ponto num bairro da moda. Toda revitalização deve preservar a integridade do local, ou seja, tem que incluir os moradores. Não sei se vi os moradores da região. Ou é um projeto agregador, ou é pra inglês ver.
Não sei, não sei. Foi só uma interrogação que surgiu.
O que importa é que é cultura, é arte, é inspirador. E atenua o clichê sacoleiro que colou em Miami. Um shopping a céu aberto com um museu ao ar livre dá, no mínimo, empate.
De volta à rotina: hoje eu caminhava pelo meu bairro e quase fui sugada por um buraco da calçada. Reparei nos fios de luz que se enroscavam entre os postes. Vi uma parede pichada, que é bem diferente de um grafite. Edifícios sem personalidade. Nenhuma provocação visual, nada de cor, humor e graça pelas ruas. E me ocorreu que um viajante desavisado das nossas atrações culturais poderia muito bem incluir Porto Alegre entre as cem cidades a evitar antes de morrer.
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