sábado, 2 de janeiro de 2016



03 de janeiro de 2016 | N° 18403 
MARTHA MEDEIROS

O FUTURO do pretérito

Está aí um ano estalando de novo bem à sua frente. Desatole-se dessa areia movediça, desate o nó da sua história

Eu deveria ter feito Medicina em vez de Artes Visuais, mas achei que seria difícil passar no vestibular e não estava disposto a tanta dedicação.

Eu poderia ter casado com aquela linda atriz se quisesse, mas ela me pareceu independente demais e isso me assustou.

Eu gostaria de ter perambulado um tempo no Exterior antes de começar a trabalhar, mas estava preocupado em ganhar dinheiro de uma vez.

E assim, nessa avaliação nostálgica que não serve para nada a não ser para se arrepender, a pessoa vai colecionando uma quantidade considerável de deverias, poderias e gostarias, cultuando o seu kit de possibilidades não realizadas. Uma existência vivida no futuro do pretérito, sem nenhuma conexão com o presente.

Eu não deveria ter me separado, eu gostaria de ter feito outras escolhas, eu poderia ter virado sócio, eu gostaria de ter dito sim para aquele pedido de casamento, eu poderia ter sido centroavante, eu deveria ser menos desconfiado, eu poderia ter realizado o meu sonho, eu deveria ter topado aquela viagem, eu gostaria de ter sido dono de uma pousada, eu deveria ter dito não para aquele pedido de casamento, eu lembraria se não estivesse bêbado, eu saberia se tivesse estudado o assunto, eu teria enfrentado o desafio se fosse mais jovem, eu...

Chega. Já entendemos. Você poderia ter caído fora, mas não caiu, você deveria ter aceitado aquele emprego, mas não aceitou, paciência, é fato consumado. Agora faça alguma coisa com o que tem em mãos e pare de encarnar o Sofrenildo, não fique se lamentando feito a hiena Hardy dos desenhos de Hanna Barbera: “Eu sei que não vai dar certo... Oh vida, oh céus, oh azar”.

Em vez de listar todos os prejuízos causados por nossas escolhas equivocadas, mais vale lembrar o que disse o filósofo Osho: “Você precisa aprender a gostar do que está acontecendo. A imaturidade vive nos ‘poderia’ e ‘deveria’, nunca no ‘é’”.

Então, coopere. Está aí um ano estalando de novo bem à sua frente. Desatole-se dessa areia movediça, desate o nó da sua história, destranque a porta de casa, desenvolva as suas ideias, desligue a torneira de queixas, desamarrote a cara, desbloqueie seus medos, descarte aquelas hipóteses que nunca foram confirmadas, descubra novas habilidades, desarticule os “se” da sua vida: se eu tivesse, se eu soubesse... Ninguém vai a lugar nenhum vivendo na condicional.

Não consegue? Bom, nesse caso, deveria.

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