04 de janeiro de 2016 | N° 18404
PAULO GERMANO
O relacionamento aberto
Quando a mulher trai o marido, ou vice-versa, não é porque o amor acabou, nem porque o casamento vai mal, nem porque está magoada por isso ou aquilo. A imensa maioria das relações extraconjugais ocorre porque variar é bom.
Não é um raciocínio meu – é da psicanalista carioca Regina Navarro Lins, 66 anos, uma entusiasta do relacionamento aberto cujas entrevistas tornaram-se célebres porque, acima de tudo, fazem pensar. Você não precisa concordar com ela. Aliás, seria ótimo se nos importássemos menos com esse negócio de concordar. As pessoas se enfurecem, agridem, insultam, espumam de ódio quando esbarram com uma opiniãozinha diferente. Não há nada mais rico e estimulante do que a divergência: só ela produz debates, só ela nos tira da inércia, só ela nos faz crescer. Concordar é uma monotonia – tão cômodo quanto inútil.
Mas Regina Navarro Lins.
Não sei se concordo com ela, embora goste de ouvi-la. Em entrevista à repórter Larissa Roso, de Zero Hora, a psicanalista garante que o modelo atual de casamento tornou-se “impossível” e critica a idealização que fazemos de uma união perfeita. Nas três páginas de conversa, o melhor trecho de todos é o seguinte:
– Em um relacionamento, cada um deveria responder a duas perguntas para si próprio: “Me sinto amado? Me sinto desejado?”. Se a resposta for sim para as duas, o que o outro faz quando não está comigo não me diz respeito.
Em momento algum ela prega a desconsideração ou a depravação, pelo contrário. Entende apenas que alimentamos uma ilusão – e uma ilusão cruel – ao pensarmos que o amor pode suprir todas as necessidades e lacunas de um ser humano. Claro, se alguém decidir passar 40 anos fazendo sexo com um único parceiro, tudo bem, sem problemas, desde que seja uma escolha livre, e não determinada pela culpa, pelo medo ou por imposições culturais. Regina considera um desrespeito dizer ao seu marido “transe só comigo”, porque a individualidade dele é apenas dele.
Em um ponto, o mais óbvio deles, ela tem razão: não estamos imunes ao desejo por outras pessoas apenas porque amamos uma. A maior parte de nós, em uma relação monogâmica, está acostumada ao que muitos classificam como hipocrisia. Sentimos vontade, mas a reprimimos. Sabemos que o companheiro sente vontade, mas reprimimos o companheiro. Funciona assim.
A questão é que nunca, em nenhum estudo ou entrevista que li sobre o tema, ninguém me convenceu de que, na hipótese de liberarmos as nossas vontades, de nos entregarmos ao desejo e permitirmos que o outro se entregue também, seríamos necessariamente mais felizes. Tenho sérias dúvidas sobre isso.
Regina Navarro Lins e os defensores do relacionamento aberto sugerem que somos vítimas de uma cultura arbitrária, que nos exige uma exclusividade incompatível com a natureza humana. Faz sentido, só que a cultura também é um instrumento de lapidação do homem. Por exemplo: a ética e a moral foram construções culturais necessárias para o convívio em civilização – na nossa essência, como já disse Thomas Hobbes, elas não existem.
O relacionamento monogâmico parece seguir a mesma lógica. Um acordo tácito que mira o bem-estar social. Não é à toa que uma pesquisa de 2012, da Universidade da Columbia Britânica, do Canadá, revelou que as sociedades poligâmicas eram as mais violentas do mundo – porque características, essas sim, próprias da natureza humana, como a competição e o egoísmo, afloravam em proporções maiores.
Não tenho dúvida de que uma evoluída parcela da população convive bem com relacionamentos abertos. E Regina Navarro Lins está correta ao dizer que esse tipo de relação guarda, sim, honestidade e respeito. Mas eu ainda prefiro ser hipócrita.
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