sábado, 9 de janeiro de 2016


09 de janeiro de 2016 | N° 18409 
PAULO GERMANO

O que faz um cristão


A primeira vez em que vi o padre Fábio de Melo foi num comercial de TV, há uns 10 anos, e confesso que o achei meio ridículo. São os julgamentos que a gente faz. Aquele padre galã fitando o horizonte, sorrindo com garbo e apoiando o queixo no punho cerrado, francamente, não me parecia um exemplo de solenidade clerical.

Pois reconheço que errei.

Fábio de Melo é das celebridades mais substanciais que o Brasil cultua. Suas pregações e entrevistas, que atingem milhões de pessoas, têm se revelado aulas necessárias de tolerância – e de hermenêutica, ao oferecer interpretações do Evangelho que apenas agregam, jamais discriminam.

No meu caso, não sou católico, tampouco tenho opinião formada sobre Deus. Inclusive escrevi outro dia que, entre todas as dúvidas da minha vida, nenhuma é maior do que a incerteza sobre a existência ou não de Deus. Sou, portanto, um agnóstico. Mas admiro o papel que o cristianismo assumiu na difusão de valores fundamentais para o Ocidente, entre eles a generosidade e a fraternidade – princípios basilares da caridade, talvez a maior contribuição prática que a Igreja disseminou pelo mundo.

O problema é que, se não sou cristão, tampouco me parecem cristãos alguns dos sacerdotes com maior penetração nas massas. Malafaias e Felicianos debocham, julgam, agridem, separam. E limitam-se a defender os interesses de suas comunidades religiosas; não defendem o bem comum. Em um momento de crise econômica e política, com a sociedade dividida e os impulsos acirrados, não há nada mais conveniente do que vozes ponderadas – e, se a voz ponderada vier de um padre, já que 86% da população brasileira se diz cristã, a conveniência talvez seja maior.

Em entrevista no programa Timeline, da Rádio Gaúcha, Fábio de Melo resumiu assim a conjuntura atual:

– Tenho a sensação de que estamos retomando nossos instintos tribais. Queremos uniformizar a sociedade, queremos que todos pensem igual, a partir dos mesmos parâmetros, dos mesmos valores, e não é bem assim. Uma sociedade é rica quando ela dialoga e, para haver diálogo, é preciso haver diferenças.

Um padre dizendo isso. Não à toa, pipocam nas redes sociais textos de clérigos católicos espumando de ódio contra Fábio de Melo – são os que querem uniformizar a sociedade a partir dos mesmos parâmetros e valores. Eles se irritaram quando o padre abraçou uma travesti no Rio de Janeiro.

Fábio de Melo conta que, no aniversário da cantora Alcione, na quadra da Mangueira, sentiu “um imenso desconforto” quando viu Luana Muniz, 58 anos, aproximando-se para tirar uma foto com ele, pois havia “uma incompatibilidade” de crenças entre os dois:

– Meu primeiro sentimento foi de rejeição. Não sabia quem era ela, estava munido apenas da aparência, e não há nada mais cruel do que julgar alguém pela aparência.

Em tempo, o padre lembrou que Jesus nunca rejeitara ninguém, nunca sentira vergonha de ninguém, então aceitou o abraço da travesti e posou para a foto sorrindo. Soube, logo depois, que Luana recebe na própria casa moradores de rua, portadores de HIV e crianças desabrigadas para refeições e banhos diários. Ela faz caridade, faz o que Jesus ensinou – e Fábio de Melo decidiu bancar uma parte do trabalho da travesti.

Hoje, também me sinto mal por ter julgado o padre pela aparência, naquele comercial há 10 anos. Essa, sim, foi uma agressão aos valores cristãos.

* O colunista David Coimbra está em férias.

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