13 de janeiro de 2016 | N° 18413
PEDRO GONZAGA
O POSSÍVEL GONZAGA
Em um conto do Onetti, O Possível Baldi, uma das obras-primas do escritor uruguaio, um homem, depois de enxotar um sujeito que importunava uma mulher na rua, tem de lidar com a gratidão dela, e, entre brincar e tentar-se-lhe desvencilhar, passa a ser para ela um outro, dizendo-se um homem de vida aventurosa e violenta na África do Sul. Ao fim do encontro casual, nota-se que o ser inventado, o ser possível, ganhara tais contornos de maravilha que era sumamente frustrante para o personagem voltar a ser apenas Baldi, o Baldi de antes.
Há alguns anos me tornei professor de pré-vestibular. Após uma série de acasos, vi-me em salas grandes, para 200 alunos. Logo percebi que moldar um personagem me ajudaria a lidar com o palco, como também descobri que, ao contrário do Baldi, era preciso ser alguém verossímil, para evitar choques, uma espécie de personagem de mim mesmo, feito o Evandro Mesquita, que, a cada novela, era sempre o mesmo.
Assim, cerquei-me do amor por Drummond (de todo verdadeiro), por Camões (óbvio) e por Alinne Moraes (musa maior). Três gotas de melancolia, um pessimismo autoirônico. Aí estava minha roupa, confortável de vestir, para uma audiência merecedora. Aos que olham para o negócio do cursinho com olhos preconceituosos, recomendo que subam no tablado, que vejam o interesse pelas matérias lecionadas – e importa pouco se o motor é a necessidade de aprovação.
Mas nos dias que antecedem o vestibular, dão-se grandes aulas em sessões para mil pessoas, em que a roupa do ano já não serve. Entre os tantos que fui, por delirantes que fossem, consegui escapar ao destino do Baldi. Neste ano, no entanto, resolvi ser Chacrinha. Desde que o álbum Tropicália passou a figurar como leitura obrigatória, o velho guerreiro tem de chegar às novas gerações.
Pareceu-me inocente buzinar a moça e comandar a massa. Entrei de cartola e casaca. Joguei frutas, chamei a Teresinha. Faltou o bacalhau (a carestia o impediu), mas faltou-me, acima de tudo, prudência. Pois o que fazer com a sensação de que a vida só terá real sentido se um dia eu entrar em casa ao som da vinheta do Cassino, para depois topar com os olhos esfumaçados de Rita Cadillac?
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