quinta-feira, 21 de janeiro de 2016



21 de janeiro de 2016 | N° 18421 

DAVID COIMBRA

Queremos repressão!

Meu amigo Luciano Potter sentiu a ponta gelada de uma lâmina pressionando-lhe a carne do pescoço, na terça-feira passada.

O celular! O celular! O bandido queria o celular. Potter deixou cair o celular, o rapaz colheu-o da calçada e voou rua abaixo.

Deu-se logo após o almoço, à sombra do viaduto de pedra da Borges, sob o olhar indiferente da multidão.

Uma ocorrência prosaica, nem valeria menção em jornal, tão frequente é em Porto Alegre.

Mas é justamente essa frequência, e a consequente falta de espanto com o fato ocorrido, que demonstra o fracasso da cidade.

Porque, sim, Porto Alegre fracassou.

A palavra “cidade” vem do latim: civitas. É o lugar onde vivem os cidadãos. Cidade, cidadão, cível, civilização, civilidade, todas essas palavras de tanta significação para o homem, não por acaso têm o mesmo radical. A civilização pode ter nascido no campo, com a agricultura, mas é na cidade que floresce, com a arte.

Os seres humanos reúnem-se nas cidades em busca de conforto e, sobretudo, segurança. Foi a partir da cidade, para garantir, precisamente, conforto e segurança aos cidadãos, que se criou outra entidade abstrata, porém fundamental, da civilização: o Estado.

Foi assim. Imagine a primeira de todas as cidades, brotando do entre rios da Mesopotâmia – um grupo relativamente grande de mulheres e homens reunidos compreende que é preciso estabelecer normas para que a convivência entre eles viceje. São definidas, pois, as leis.

Mas como assegurar que essas leis serão cumpridas? Bem, é preciso punir quem as infringe. E quem punirá? Presto! Surgiu o Estado.

O primeiro e mais importante papel do Estado, portanto, é a repressão. É fazer cumprir as leis e punir quem as burla. Só assim está garantida a civilização. É por isso que a civilização gera mal-estar, como bem apontou Freud. Porque a civilização impede que o indivíduo faça o que bem entender, quando quiser e como quiser.

A tarefa prioritária do Estado, repito, não é dar educação, não é dar saúde. Isso vem depois. Em primeiro lugar, é necessário fazer com que a lei seja respeitada. É reprimir. É dar segurança ao cidadão.

Porto Alegre não consegue mais fazer isso. O Rio Grande do Sul não consegue mais fazer isso. Nem o Brasil. O Estado brasileiro não está funcionando, e quando o Estado não funciona, falha a civilização e assoma a barbárie.

Quando um cidadão sente o frio da ponta de uma faca na jugular, em pleno centro da cidade, em plena luz do dia, às vistas de outros cidadãos, e quando esse fato é tão corriqueiro, tão trivial, que não espanta ninguém nem sequer chama a atenção das autoridades, quando a situação chega a esse ponto, é sinal de que os limites da civilização foram cruzados.

Em Porto Alegre, se você tem uma faca de cozinha, você realiza todas as suas vontades. Espeta uma garganta. Toma o celular. Viola a menina. Pega o que quiser.

Em Porto Alegre, você fecha uma avenida, você ocupa um prédio público, você quebra uma vidraça. Você pode. Simplesmente porque você quer.

Cidadão, não peça liberdade, em Porto Alegre. Peça repressão. Porto Alegre precisa de repressão.

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