sábado, 16 de janeiro de 2016


17 de janeiro de 2016 | N° 18417 
MARTHA MEDEIROS

Redondezas


Não é incomum homens e mulheres terminarem a vida ao lado daqueles com quem inauguraram seu currículo afetivo

Geralmente se dá assim: eu chego à cidade sem conhecer nada nem ninguém. Abro a mala no quarto do hotel, tiro de dentro as roupas que amassam, penduro, vou ao banheiro, escovo os dentes e saio pra rua, já que, um momento antes, estava imobilizada dentro de um avião e não vejo a hora de esticar as pernas. Então perambulo, vou sentindo o clima do lugar, me inteirando sobre a vizinhança, até que paro em algum bistrô simpático e faço a primeira refeição. Peço um cálice de vinho e brindo o descanso e a aventura que vêm pela frente.

Até aqui, acredito que, ao viajar, se dê o mesmo com você.

Então passam cinco dias, 10, 15, quantos forem os dias que você programou ficar fora de casa. Está chegando a hora de voltar. Você já tem a cidade estrangeira na palma da mão, fez inúmeros programas, conheceu diversos restaurantes, praias, parques, museus e agora está de malas praticamente feitas, faltam poucas horas para ir para o aeroporto ou a rodoviária, o tempo necessário para uma última refeição. Onde? Talvez aí percamos nossas afinidades. Sem que eu planeje, acabo sempre no local onde comi na cidade pela primeira vez. Sou conduzida, por sei lá que instinto, à minha primeira parada durante aquela perambulação inicial, quando eu ainda não conhecia nada.

Aconteceu recentemente e só então me dei conta de que costumo repetir o mesmo restaurante na chegada e na partida. Às vezes, faço até o mesmo pedido. É prático, pois em geral é um lugar perto do hotel, mas, se há várias outras opções nos arredores, por que justamente aquele? De novo aquele?

Fechamento de ciclo, imagino. Arremate. Uma maneira de confirmar que foi um período para ter início, meio e fim, sem fios soltos, sem reticências. Não há mais tempo para últimos prazeres, apenas para homenagear os anteriores. E para ir se acostumando com a sensação de pertencimento e continuidade: peço um cálice de vinho e brindo a rotina que vem pela frente.

Como se vê, dá pra infiltrar psicologia em tudo.

Essa reflexão me levou às histórias que escuto sobre pessoas divorciadas ou viúvas que estão com 60, 70 anos, e que, longe de aposentarem o coração, reencontram seu primeiro amor e shazam: retomam a relação da adolescência, se é que não é otimismo demais usar a expressão “retomar” depois de décadas ausentes um do outro. Mas o fato é que não é incomum homens e mulheres terminarem a vida ao lado daqueles com quem inauguraram seu currículo afetivo. 

Acomodação? Que seja, mas é romântico. Não significa que aquele tenha sido eleito o melhor dos amores (como aquele primeiro restaurante também não foi necessariamente o melhor), mas é uma forma de encerrar os trabalhos com a sensação confortante de ter fechado o ciclo, saindo de cena sem pendências. Deu-se a volta completa.


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