segunda-feira, 25 de janeiro de 2016



25 de janeiro de 2016 | N° 18425
CRISE NA SEGURANÇA

FUI ASSALTADO...


Os ladrões perderam o medo de agir no Rio Grande do Sul. Não respeitam mais horário, local ou farda. Atacam de manhã, na parada de ônibus. À tarde, roubando carros – nem só dos distraídos, mas de qualquer um. À noite, na saída de estabelecimentos de ensino, no saque a restaurantes, nos sequestro-relâmpagos junto a caixas eletrônicos.

Isso tudo sempre existiu, mas nunca com tanta intensidade como agora. O Rio Grande do Sul atravessa um período crescente de criminalidade. Pior: o crescimento é maior entre os delitos graves. Os assaltos aumentaram 60% nos últimos cinco anos. Os roubos de carro, 68%. Os latrocínios (quando, além de roubar, os ladrões matam a vítima), 88%. Os homicídios, 42%. Já os furtos, que não envolvem violência, diminuíram 12%. A interpretação é clara: os bandidos estão menos habilidosos e mais violentos, inclusive na hora de acertar contas entre si (na maioria dos homicídios, as vítimas são criminosos).

Mais de 5 mil detentos ganharam direito a prisão domiciliar – mas quem fiscaliza se eles ficam no lar? Parte deles não fica: 129 foram presos ano passado assaltando, quando deveriam estar no trabalho ou em casa. Enquanto isso, os efetivos policiais diminuem. A Brigada Militar encolheu 7% em decorrência de aposentadorias e não reposição de quadros em 2015.

A soma de mais bandidos soltos e menos policiais faz com que não exista mais hora nem local para assaltos, como mostra esta reportagem que dá início à série Crise na Segurança – um esforço conjunto das redações de Zero Hora, Diário Gaúcho, Rádio Gaúcha e RBS TV. Duas ou três vezes por semana, matérias especiais irão cobrar e ajudar a buscar soluções para o problema (leia também Editorial na página 24).

...na escolinha

A.K.R.T.*, 34 anos, enfermeira

“No dia 5 de março do ano passado, por volta de 13h30min, estava indo levar o meu nenê na escolinha (no bairro Menino Deus, em Porto Alegre). Ele tinha cinco meses na época. Quando estava descendo do carro, fui abordada por dois homens armados. Eles não queriam me deixar tirá-lo do carro (a ação foi fotografada por uma pessoa que estava em um prédio e as imagens, divulgadas por Zero Hora, ajudaram na identificação dos dois criminosos, segundo o delegado César Carrion). Mais duas pessoas estavam em um carro estacionado do outro lado da rua. Um desses dois que vieram até mim, falou: “Me dá a chave, e o nenê fica”.

Aí comecei a gritar: deixa tirar o nenê, deixa tirar o nenê.Não adianta, mãe é mãe e eu só pensava nele. Tentava entrar no carro, mas eles me seguravam. Até que um atirou para cima. Pensei que iria me matar. Nesse momento, quando ele tirou uma mão de mim para sacar a arma, consegui tirar meu nenê de dentro do carro. Eles entraram no meu carro e fugiram. Sempre fui supercuidadosa, mas, infelizmente, a gente fica à mercê desse bando de gente. Agora, fico ainda mais atenta. Levo a criança em escolinha que tem segurança, não paro mais na rua, mudei de casa. E o pior é ir nas audiências e eles (os suspeitos) estarem cheios de advogados. Só faltam os advogados chamarem eles de coitadinhos.”

...no lotação

Daniel Fernandes, 34 anos, diretor-executivo

“Tudo aconteceu em um dia normal de semana (25 de novembro de 2015), lá pelas 13h30min. Tinha ido em casa ao meio-dia pegar um documento e cortar o cabelo perto do Shopping Praia de Belas. Saí do cabeleireiro e peguei um lotação. Tive de contar as moedinhas no bolso, não tinha praticamente dinheiro nenhum. Estava totalmente desligado, com fone de ouvido escutando um programa de rádio, quando um homem sentado ao meu lado, só que do outro lado do corredor, agitou uma sacola e tirou uma arma de dentro. Ele pulou para o meu banco, me empurrou para o assento junto à janela e colou o revólver na minha barriga.

Ele pediu meu celular e falou: “Desbloqueia”. Disse que meu celular não era bloqueado. Então, mandou sair do iCloud (dispositivo que ajuda a rastrear o aparelho). Nem sabia como fazer. Então, entrou nas configurações, era bem entendido, mexeu e mandou colocar a minha senha do iCloud. Estava tremendo tanto que nem consegui. A gente já estava indo para o fim da linha quando ele me devolveu o celular e pediu a carteira. Abri e mostrei que não tinha nenhum real. Pediu a aliança. Era de noivado, não tinha casado ainda. Então, ele se levantou e desceu sem que ninguém no lotação percebesse. Quando ele saiu, gritei: aquele cara me roubou. Fui em uma delegacia e uma policial riu da minha cara e ainda disse que nem em lotação as pessoas estão seguras.”

...no apartamento

F.O.*, 29 anos, psicólogo

“Em setembro do ano passado, por volta das 20h, minha irmã e o namorado deixaram o nosso apartamento, no bairro Bom Fim, para irem a uma festa. Quando estavam na portaria, foram rendidos por dois homens armados com um revólver que os obrigaram a subir de volta ao apartamento. Eu estava na sala, assistindo à televisão, quando fui surpreendido com a minha irmã entrando e dizendo: “Fica calmo, está tudo bem.” Logo atrás dela, o namorado com a arma na cabeça seguido pelos assaltantes. Perguntaram quantas pessoas havia na casa – um amigo nosso estava em um dos quartos. Nos renderam por 10 minutos, levaram celulares, iPads, TV, relógios, até cueca de marca secando no varal. Pediram todas as chaves e também a do carro.

Falei que o meu carro estava sem bateria na garagem, o que é verdade, pois raramente utilizo. Pegaram a chave do carro do nosso amigo, mais algumas joias e saíram. Foi rápido e extremamente traumático.

Nunca tinha sido assaltado, e jamais poderia imaginar que seria logo em um sábado à noite, em casa, o local que deveria ser o mais seguro para ficar. A sensação de insegurança é muito grande. Iremos morar em um prédio com segurança 24 horas.”

...oito vezes

Sarah Araujo Cabral da Silva, 16 anos, estudante do Ensino Médio

“Fui assaltada oito vezes. Na primeira, quando tinha 10 anos, estava chegando em casa. Um jovem me abordou pedindo informações sobre uma rua. Logo depois, anunciou o assalto: “Passa tudo porque sei que tem celular”. O pai de uma amiga parou de carro perto para ver quem estava comigo. Ele (o assaltante) pegou a bolsa que eu usava e saiu correndo. O último foi em outubro do ano passado. 

Eu e meu irmão, de 12 anos, estávamos próximos à parada de ônibus, indo para a escola, às 7h, quando percebi dois rapazes vindo no sentido contrário. Atravessamos a rua duas vezes e eles também atravessaram. Segurei na mão do meu irmão e disse que seríamos assaltados, para ele ficar calmo. Tinham uma faca. Tirei o dinheiro da mochila e entreguei, afirmei que era tudo o que a gente tinha. Eles pegaram e mandaram a gente sentar na calçada, fechar os olhos e contar até 60, para dar tempo de fugirem.

Depois disso, não podemos mais ir sozinhos para a escola. Houve uma adaptação da nossa rotina para evitar ao máximo que a gente fique sozinho. E, se vejo um grupo de jovens na rua, já tenho medo, porque em todos os assaltos eles eram jovens, adolescentes ou, no máximo, com uns 20 e poucos anos.”

...em frente ao shopping

Carla Tentardini Alonso, 37 anos

“Era 22 de dezembro e eu e minha filha de 15 anos estávamos fazendo compras de Natal no shopping (BarraShoppingSul, zona sul de Porto Alegre).

Saímos de lá e fomos até a parada ali na frente esperar o ônibus. Eram 21h. Havia outras pessoas esperando ônibus também. De repente, um Gol vinho, ou bordô, não sei direito, quatro portas, parou e duas pessoas desceram armadas. Outras duas ficaram dentro. Os que desceram já chegaram anunciando o assalto. Pegaram as sacolas que estavam nas nossas mãos, e mandaram que a gente entregasse as bolsas. Prontamente, minha filha e eu entregamos. Um deles ainda disse para ela: “Passa o celular! Passa o celular!”.

Ela entregou e eles voltaram para o carro com os objetos. Foi tudo muito rápido. Mas, não contente com o assalto, antes de entrar no carro, um deles olhou para mim, apontou a arma e atirou. Só vi que fui baleada quando comecei a correr. A bala entrou no meu abdômen, perto do umbigo, e saiu nas costas. Não atingiu nenhum órgão, graças a Deus.

Como saio do serviço às 18h30min, e meu marido trabalha à noite, ia com frequência a shoppings e hipermercados fazer compras, pois são estabelecimentos que ficam abertos até mais tarde. Não vou mais. Agora vou do trabalho direto para casa. Tenho medo de andar na rua à noite depois do que aconteceu. Tenho medo de ficar em parada. 

Ouço qualquer barulho e fico com medo porque estamos supervulneráveis. O policiamento é zero. Não dá para pegar um ônibus, porque eles (os criminosos) estão soltos dentro dos ônibus. Não dá para esperar na parada, que te assaltam. Tive de mudar a minha rotina. Só saio para o Centro de carro com o meu marido.”

humberto.trezzi@zerohora.com.br 

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