04 de janeiro de 2016 | N° 18404
MOISÉS MENDES
Tarantino
Minha única decepção de 2016 até aqui é com o Quentin Tarantino. Saí de casa no primeiro dia do ano só para ver o oitavo filme dele, Os Oito Odiados. Já dormi vendo Mad Max, mas nunca imaginei que dormiria vendo Tarantino. Comecei o ano cochilando num filme de carruagem.
A carruagem conduzia tempo e ação nos filmes de faroeste. No faroeste de Tarantino, a carruagem fica parada o tempo todo na neve. É como se alguém refilmasse Ben-Hur com as bigas estacionadas no meio- fio do Circus Maximus de Roma, ou como se um documentário sobre a Fórmula-1 só mostrasse os carros sesteando nos boxes.
Não sei qual é a mensagem de um ano que começa com um filme de Tarantino que às vezes não parece do Tarantino. E faroeste na neve? E a trilha sonora do Morricone? Não existe trilha sonora do Morricone, só a música de abertura.
Cochilei quatro vezes, sem prejuízo nenhum, porque você pode dormir por meia hora e a carruagem está lá parada.
Um sujeito ao meu lado passou todo o filme olhando mensagens no celular. Eu acordava e espiava as mensagens do homem. Pareciam ser mais interessantes do que o filme. Uma dizia: Na volta, pega duas melancias, tem duas por 10 perto do Bologna.
Eu lia as mensagens e dormia. Acordava e a Jennifer Jason Leigh levava a sétima bofetada do Kurt Russell. E se repetiam as piadas sobre mexicanos.
Meu primeiro cochilo foi pelo meio do filme. Quando acordei, li no celular do homem: Aécio pede recontagem da contagem regressiva do Ano-Novo.
O sujeito teve um acesso de riso e o cinema todo se virou. Do que ele ria, se até ali tudo era de chorar? Nunca imaginei que ainda pudessem rir de frases sobre a obsessão do Aécio e nunca pensei que o Tarantino pudesse fazer um filme que não tivesse graça. Aécio nos faz rir mais do que Tarantino.
Quando eu já estava decidido a admitir que Tarantino também atira e erra, perto do final o filme se aprumou. Acordei do último cochilo quando a luz do celular do homem ao meu lado explodiu na minha cara.
Esfreguei os olhos e espiei a tela do celular dele. Estava escrito: Aécio pede recontagem dos votos de Feliz Ano-Novo.
O homem tapava a boca para rir. Saí do cinema frustrado com o novo Tarantino e incomodado com o sujeito do celular. Paguei R$ 25 para ver frases sobre Aécio. Tarantino mudou, mas o Brasil continua o mesmo. Quando desligarão os celulares no cinema? Quando?
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