sábado, 16 de janeiro de 2016



16 de janeiro de 2016 | N° 18416 
DAVID COIMBRA

A praga das baratas


Leitores, sobretudo leitoras, relatam com horror e desespero que os ônibus de Porto Alegre estão infestados de baratas.

Fico pensando na minha irmã Silvia. Ela tem pânico de barata. Se você falar três vezes essa palavra para ela, barata, barata, barata, ela começará a coçar o nariz. É pensar em barata, que minha irmã começa a coçar o nariz.

Pior é que parece que as baratas pressentem o medo dela e a procuram. Uma vez, dormíamos os três, eu, ela e meu irmão, Régis, numa tarde de domingo. Nossa mãe nos obrigava a fazer a sesta aos domingos, duríssima punição para qualquer criança, mas, para que ela ficasse em paz e pudesse dormir, nós tínhamos de dormir também. Então, nessa tarde, dormíamos nós três e mais a nossa mãe, e fomos acordados por um urro tremendo, um grito desumano, que fez estremecer a quadra inteira. 

Era a Silvia, que descobrira uma barata preta, gorda, do tamanho de um maço de cigarros Minister, passeando entre seu ombro e seu queixo. Ela saltou do colchão como um cabrito montês, fazendo a barata esgueirar-se por baixo da porta em desabalada carreira, e a minha mãe gritar de pavor, e acabar com a sesta, para alegria minha e do meu irmão. Minha irmã passou dois dias coçando o nariz.

Espero que a Silvia não ande de ônibus em Porto Alegre, nesses dias. O problema é o verão nos trópicos: quente e úmido. Os insetos adoram. As bactérias também. Qual seria a solução? Será que dá para desinsetizar ônibus?

No final dos anos 1950, o Mao Tsé-tung lançou na China a famosa “Campanha das Quatro Pragas”. Todos os chineses tinham obrigação de combater ratos, moscas, mosquitos e pardais. Você deve estar se perguntando: por que os pardais, tão simpáticos? É que o Mao encasquetou que os pardais comiam as sementes dos agricultores e prejudicavam o plantio de grãos.

Certo. Então, os chineses, obedientes que são, passavam o dia com mata-moscas e dando palmada em mosquito e caçando ratos. Quanto aos pardais, eles destruíam os ninhos, ou davam-lhes pedradas, mas o método mais eficiente era muito curioso: os chineses batiam em panelas para não deixar que os pardais pousassem para descansar. Os pardais queriam pousar num galho e lá vinha um chinês gritando e sacudindo os braços ou batendo numa panela, e os pardais tinham de levantar voo outra vez, até que ficavam exaustos e morriam. Resultado: os pardais foram extintos na China.

Só que o ditador não contava com os desígnios secretos da natureza. Ocorre que os pardais, se comiam algumas sementes, comiam também muito mais insetos predadores. Com o fim dos pardais, o ecossistema chinês ficou desequilibrado, e os insetos passaram a devorar as plantações.

Pragas de gafanhotos espalharam-se pelo país, eles desciam como nuvens do céu e comiam tudo de verde que houvesse em seu caminho. A chamada Grande Fome, que já era grande devido à má administração de Mao, tornou-se imensa, e milhões de chineses morreram de inanição. Mao tentou trocar o pardal pelo percevejo no índex da sua campanha, mas já era tarde. Os pardais haviam desaparecido.

Para você ver que, mesmo no combate de pragas, é preciso haver precaução e ciência. Calma com as baratas, portanto. Talvez minha irmã tenha de ficar coçando o nariz pelo resto do verão.

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