30 de janeiro de 2016 | N° 18430
CLAUDIO MORENO
Triplex
O apartamento de três andares comprado por Lula também gerou uma polêmica ortográfica
Um dos itens que mais agitaram o mundo político brasileiro, nesta semana, foi uma questão de prosódia: qual é a forma correta de pronunciar o nome do apartamento de três andares que o ex-presidente Lula adquiriu em Guarujá? Qual é a sílaba tônica, afinal? É um tríplex ou um triplex? Rima com sílex ou com unissex?
É sempre mais complicado definir a pronúncia correta de uma palavra. Temos muito mais segurança quando se trata da escrita porque existe, no Brasil, uma lei que (mal ou bem) ajuda a fixar uma grafia uniforme: afinal, sempre podemos consultar o vocabulário ortográfico, que traz as recomendações da Academia. No que se refere à pronúncia, contudo, temos de nos contentar com o exemplo das pessoas cultas e com a opinião dos gramáticos e dos dicionaristas (não esqueça, prezado leitor, que a pronúncia que um dicionário indica representa apenas a opinião de seu autor; é uma opinião especializada, mas é uma opinião).
Um especialista em Fonologia, contudo, pode ir além da simples opinião; estudando nosso léxico, pode identificar certos padrões bem definidos na organização dos sons que compõem as palavras e na distribuição da sua sílaba tônica. No caso dos vocábulos terminados em X, houve uma nítida mudança de tendência na segunda metade do séc. 20. As palavras formadas até essa data eram paroxítonas, isto é, com a tônica na penúltima: látex, índex, tórax, pólex (o polegar), cóccix, ônix, clímax, hálux (o dedo grande do pé).
A partir do final da 2ª Grande Guerra, porém, o paradigma começou a trocar: todos os novos vocábulos com esta terminação passaram a ter a sílaba final tônica – durex, inox, pirex, gumex, telex, jontex, relax, prafrentex, redox, Sedex, Mentex, Jontex, Giroflex. Não importa que muitas ainda sejam, ou tenham sido, nomes comerciais: os falantes dão-lhes instintivamente o padrão que a língua está usando neste momento para palavras com este perfil.
Essa mudança de modelo ocorrida nos anos 50 é que vai explicar a hesitação atual quanto à pronúncia (e, consequentemente, quanto à grafia) de dúplex, o avô de nossas coberturas, e de tríplex, um imperial apartamento de três andares ligados por escada interna (no caso do ex-presidente, por um elevador particular). Ora, dúplex é uma palavra muito antiga, usada como sinônimo de dúplice (“convento dúplex – convento para frades e freiras”, ensina Antenor Nascentes), portadora daquela nítida aura de palavra erudita e alatinada. Ao ser adotada pelo léxico do comércio de imóveis, todavia, a palavra ingressou verdadeiramente na corrente sanguínea do Português e, seguindo a tendência que descrevemos, tomou a forma duplex.
O dicionário Caldas Aulete (o que não é o seu feitio) enfia o pé na jaca e afirma, com aquela certeza dos ingênuos, que dúplex hoje “pronuncia-se erroneamente como oxítono”. O Aurélio, com honestidade, registra, no verbete dúplex: “Pronuncia-se correntemente como oxítono”; o Houaiss registra duplex como “forma não preferível e mais usada do que dúplex”… Nosso prezado leitor, portanto, poderá escolher o que lhe der na telha: ou usa as formas modernas duplex, triplex (como eu faço), ou, alinhando-se com os antigos, emprega dúplex, tríplex.
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