quarta-feira, 20 de janeiro de 2016


20 de janeiro de 2016 | N° 18420 
FÁBIO PRIKLADNICKI

VOCÊ É O QUE VOCÊ TEM?


Foi em 1976 que Erich Fromm disseminou o debate sobre ser e ter. O que vale mais: quem você é ou o que você tem? Fromm é um sujeito meio fora de moda, mas teve um passado de glória. Era psicanalista e marxista, um duplo pecado hoje, segundo alguns – certamente seria tachado de petralha nos papos filosóficos das redes sociais. 

Mas o debate sobre ter e ser, que não foi uma invenção dele, era bastante relevante em plena ascensão do que viria a ser chamado de neoliberalismo. Margaret Thatcher estava a três anos de assumir o poder no Reino Unido, e a América do Sul vivia sob as ditaduras apoiadas pelos Estados Unidos.

Pois bem. Se hoje o falso dilema entre ter e ser nos parece um baita lugar-comum não é porque o assunto foi superado, mas porque o objeto de medo na época de fato se materializou. Claro que é importante ter algumas coisas: moradia, alimentação, acesso a serviços de saúde e por aí vai. São direitos que deveriam ser garantidos a qualquer um. Mas a felicidade virou um bem que pode ser adquirido com a conveniência do cartão de crédito, em suaves prestações. O segundo carro. O décimo par de sapatos. A TV maior, porque aquela já estava pequena. Parcela tudo em 12 vezes e vai.

Dizem que comprar é bom porque movimenta a economia. Não duvido. Mas será que precisamos de tudo isso? A inclusão social realizada por meio do consumo seguiu esse descaminho: a classe C quer comprar o que tem a classe B; a classe B quer ser a classe A; e a classe A quer morar em Miami. É hora de mirar mais longe.

Note que não defendo a volta ao escambo. Dinheiro é bom, todo mundo gosta. Mas sonhar com um carro importado estacionado na sala de estar, como aquele milionário, em vez de – sei lá – uma casa no campo ou uma poltrona em um musical na Broadway, é muita pobreza de espírito. Precisamos rever nossas ambições.

Em tempos de catástrofe ambiental, consumir moderadamente é mais do que uma questão de bom senso; é um imperativo. Mas quem está disposto a reconhecer isso? Ninguém acha realmente que a água vai acabar, até que ela bate no volume morto. Ou até que vira uma commodity, e um grupo reduzido de pessoas começa a ganhar muito dinheiro com isso.

Fico imaginando o dia em que os pobres invejarão os ricos por terem acesso à água potável, e aí me dou por conta de que isso já aconteceu – no ano passado, em São Paulo, e a qualquer momento, em lugares dos quais não costumamos ouvir falar. Algumas coisas não podem ser parceladas.

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