23 de janeiro de 2016 | N° 18423
CLÁUDIA LAITANO
Fast-food
Muito antes de conseguir elaborar racionalmente a diferença entre o cinema americano e aquele produzido no resto do mundo, eu já havia percebido que os filmes, além de bons ou ruins, podiam ser divididos em outras duas categorias: a dos que a gente já imagina como vão se desenrolar desde a primeira cena e a dos que nos convidam a tolerar o desconforto da total imprevisibilidade.
Histórias de amor que não dão certo no final, personagens que não são claramente bons ou ruins, gente que age por motivações não óbvias, velhos amargurados, famílias suarentas, gordos em geral, deficientes físicos, trabalhadores braçais, burocratas com empregos aborrecidos, pessoas feias, etnias diversas, tudo isso faz parte da vida – mas costuma ficar de fora de filmes produzidos com o objetivo principal de levar milhões de pessoas ao cinema. Aparentemente, a maior parte do público prefere fórmulas conhecidas de enredo e odeia sofrimento, rostos estranhos, diálogos complexos.
O cinemão americano comercial funciona mais ou menos como um lanche do McDonald’s quando se está a milhares de quilômetros de casa: pode não ser lá essas coisas como gastronomia, mas você sabe exatamente o que será servido. Esse compromisso com o gosto médio não impede, claro, que sejam produzidos filmes extraordinários nos grandes estúdios, mas quando se analisa o conjunto da produção hollywoodiana ao longo de um ano, os grandes filmes são uma minoria (como as saladas no cardápio do McDonald’s...) destinada a atender uma parcela do público e fazer bonito nas premiações. No atacado, o cinema de Hollywood é previsível e voltado ao entretenimento de consumo rápido e fácil – de preferência, na companhia luxuosa de um baldão de pipocas.
Neste ano, pouco mais de 300 filmes estavam elegíveis a disputar o Oscar. Quantos deles espelham não a enorme variedade e complexidade das plateias que consomem cinema americano ao redor do mundo, o que seria impensável, mas a grande diversidade que existe dentro do próprio país? Quantos filhos de imigrantes mexicanos, famílias católicas, judeus, negros, moradores de trailers?
A bilionária indústria cinematográfica americana não vive de filmes como Feios, Sujos e Malvados – obra-prima do diretor italiano Ettore Scola, que morreu nesta semana. E o que não se produz, ou se produz pouco, tem menos chances de ser premiado. Não necessariamente por preconceito de quem julga, mas no mínimo por escassez de representatividade.
O protesto dos atores negros pela falta de indicações no Oscar deste ano mostra não sua desimportância na indústria, mas sua força. Há tantos artistas negros de sucesso em Hollywood (um deles, Chris Rock, será o mestre de cerimônias da festa), que eles podem fazer barulho exigindo uma presença maior nas principais premiações. Outras minorias sub-representadas nem sequer se dariam ao trabalho de reclamar.
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