16 de janeiro de 2016 | N° 18416
O PRAZER DAS PALAVRAS | Cláudio Moreno
Baratas
TEMÍVEL INSETO e antônimo de caro estão entre as palavras muito parecidas que designam coisas bem diversas
Como nossa língua tem um número finito – ele é enorme, é verdade, mas tem seus limites – de combinações de sílabas, é muito comum encontrar palavras extremamente parecidas que nada têm a ver umas com as outras. Em nosso idioma, duas velhas verdades populares – nem tudo que balança cai, nem tudo que reluz é ouro – são confirmadas constantemente. Já apresentamos vários exemplos nesta coluna; o de hoje, trazido com as noites quentes de verão, é o da invencível barata, inseto que chegou a este planeta uns trezentos milhões de anos antes de nós, e do seu sósia, o adjetivo barata, feminino de barato (o antônimo de caro).
Este último tem uma história ainda nebulosa, talvez de origem celta, e aparece nas duas línguas irmãs da Península, o Português e o Espanhol, numa família de vários vocábulos unidos pela ideia de atividade comercial: barateiro (“que vende por preço baixo”), baratear, baratilho (“estabelecimento em que os preços são baixos), malbaratar (“fazer má gestão”), desbaratar (“arruinar, liquidar”), barataria (“negócio fraudulento”) e assim por diante. Em Lisboa, tive a sorte de ver vitrines onde se anunciava o desbarato total da existência – frase que, por trás dessa solene aparência filosófica, apenas avisa o passante que a loja resolveu promover a “liquidação total do estoque”.
A barata mesmo, o inseto, vem do Latim blatta. Bluteau, no seu pitoresco dicionário (1728), redige mais uma de suas bizarras definições: “inseto que tira a escaravelho. Foge da luz, rói panos, livros, etc.” (tira a = “semelhante a”). Por uma curiosa coincidência, Vladimir Nabokov, escritor e entomologista, numa célebre análise de Kafka, demonstra que Gregor Samsa, em A Metamorfose, não acordou transformado numa barata, como estamos acostumados a pensar, mas num “inseto monstruoso”, o qual, pelas características que vão aparecendo no texto, parece muito mais um escaravelho...
O termo barata também era usado para designar um tipo de automóvel esportivo, conversível e com um banco para apenas dois passageiros. Érico, falando de Clara Bow, a atriz do cinema mudo que simbolizava a “mulher evoluída” do início do séc. 20, diz que ela era “o tipo da boneca feita para andar de baratinha a grandes velocidades”. Em nome do rigor científico, vejo-me na obrigação de registrar que barata também serve, em determinadas regiões, para designar aquilo que Eva tem diferente de Adão (o que torna muito sugestiva a expressão tapa na barata, que certamente não preciso explicar para o leitor adulto).
Finalmente, devo lembrar que outro nome da barata – especialmente em Portugal – é carocha (não parece muito distante do Espanhol cucaracha, aliás, que foi reciclado para cockroach pelo Inglês). Os contos da carochinha nada mais são, no fundo, que os contos da baratinha – da Dona Baratinha do folclore infantil, sempre sonhando com um casamento que nunca se realiza. É por isso também que o modelo básico da Volkswagen que chamávamos de “besouro” é conhecido em Portugal como o VW Carocha.
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