terça-feira, 12 de janeiro de 2016


12 de janeiro de 2016 | N° 18412 
DAVID COIMBRA

Vitória ou morte!


Fazia... o quê? Três anos que não batia uma bolinha na praia. Aí agora, verão faiscante de 2016, decidi jogar. Estávamos na franja de areia do Atlântico Sul, cometendo sem culpa o pecado que aquele deputado do PT condena: beliscando um camarãozinho e bebendo uma cervejinha, tudo no diminutivo, de tão imensamente bom que é.

Antes, havia demonstrado minhas habilidades culinárias preparando um clássico praiano com o qual se repimpou até um gourmet refinado, como o Admar Barreto: massa com salsicha. Sim, o Admar comeu massa com salsicha da minha lavra, e tenho testemunhas para provar.

Mais cedo, arrisquei-me na carpeta, e arriscar é o verbo adequado, uma vez que enfrentei o lendário Cabeça, soberano da canastra, imperador do pontinho, autor de máximas imortais como:

– O grande jogador não tem pressa para pegar o morto. O grande jogador segura o curinga para usá-lo na hora certa.

Pois o Admar, ainda digerindo a massa com salsicha, e o Cabeça, ainda digerindo as vitórias na canastra, os dois foram jogar comigo contra três guris com um terço das nossas idades provectas.

Preciso dizer que já tive glórias no joguinho de praia. Lembro em especial de um dérbi na Brava. Éramos cinco brasileiros enfrentando cinco argentinos. Defendíamos a honra da pátria, e não fizemos feio como a Seleção na Copa: tocamos 5 a 0 neles. Um canhoto metido a dribladorzinho feito o Ortiz, ponta-esquerda do Grêmio de 76, aquele eu mandei para a segunda rebentação numa dividida. 

Ele se levantou quieto, espalhou com a mão a areia da bermuda e, na jogada seguinte, me deu um coice que tirou bife da minha canela, com aquela unha afiada de castelhano que ele tinha no dedão. Tudo bem. Também me levantei e espalmei a areia e lavei o sangue e prossegui em silêncio no jogo, que é assim que se faz. Depois da partida, nos cumprimentamos com respeito, que é assim que se faz também.

Cinco a zero. De nada, Brasil.

Tantos anos, quilos, tragos e risos, tantas lágrimas de tristeza e de alegria, tantos amores, sabores e dissabores, tanto de tudo isso e tanto de tudo mais depois, eis que estamos de pés descalços na areia úmida, três senhores cansados, prontos para se bater contra três adolescentes em plena explosão hormonal, porejando energia, ansiosos para correr, como se fossem cavalos no partidor.

Contemplamos, eu, o Cabeça e o Admar, os intermináveis oito metros que separavam as duas goleirinhas feitas de Havaianas, e decidimos:

“Vitória ou morte!”

Bem. O jogo chegou a ficar 2 a 2. Foi quando o Admar sugeriu, bufando, as mãos apoiadas nos joelhos, com a experiência que seus cabelos gris de Richard Gere lhe dão:

– Vamos encerrar o jogo agora, que está bom pra nós.

Mas estufei o peito e rebati: – Não! Vitória ou morte!

Não morremos. Nem vencemos. Eles fizeram mais dois gols. Nós, nenhum. Sem problemas, corremos os seis para o mar, que aqueles 10 minutos de intensa prática do nobre esporte bretão nos deixaram suados da nuca aos calcanhares. O Cabeça chutou a bola para o alto e o filho dele, o Guti, se jogou numa onda para tentar agarrá-la. Rimos todos, com a água já na cintura. 

O Pedro, filho do Admar, apontou para uma morena que usava o novo biquíni que empina os glúteos, e rimos outra vez, e me senti de novo com 14 anos de idade, e pensei que um joguinho com bons amigos e uma cervejinha com bons amigos e uma prainha com bons amigos é tudo no diminutivo, de tão imensamente bom que é.

Nenhum comentário: