segunda-feira, 25 de janeiro de 2016



25 de janeiro de 2016 | N° 18425 
DAVID COIMBRA

O que diria Castro?


Odeio os caras da classe executiva. Quando passo por eles, em direção ao fundo sórdido do avião, passo rosnando entre dentes: – Coxinhas... Coxinhas!

Você já olhou bem na cara deles? Blasés. É o que são. Ficam disfarçando distração com aqueles fones de ouvidos ou fazendo de conta que leem a Veja. Na verdade, no recôndito de suas entranhas onde fermentam suflés, riem-se à grande, enquanto nós, o povo, a gente oprimida que há 500 anos carrega sobre os ombros toda essa elite branca, nós vamos para a humilhação da cachorreira, para o navio negreiro.

Ah, eis a imagem perfeita! A classe econômica nada mais é do que a reprodução do navio negreiro, que trazia o povo pardo e pobre para ser explorado pela pérfida aristocracia de ascendência europeia. O que Castro Alves, nosso condoreiro maior, nosso poeta dos escravos, o que ele escreveria, se atravessasse o oceano na classe econômica?

“Estamos em pleno ar...Doido no espaço brinca o luar...”

Imagino o infeliz Castro Alves sentindo os joelhos apertados contra a poltrona da frente, ouvindo, conformado e triste, a aeromoça ordenar que ele coloque o encosto na posição vertical, quando seu encosto JÁ ESTÁ na posição vertical. Castro suspirando de resignação ao ver a mesma aeromoça ocupar todo o corredor com aquele carrinho de “pasta ou chicken”. Castro gemendo de inferioridade ao perceber o olhar de desprezo que ela faz ao fechar a cortininha da classe executiva.

Olhe bem para essa cortininha, meu bom Castro. Olhe. Um tecido leve, de qualidade inferior, mal preso à parede do avião por um botãozinho de metal que seria arrancado pelo safanão de uma criança de seis anos de idade. Olhe, Castro. Esse pano tênue é a separação de dois mundos. 

Aqui, nas profundezas, a gente simples do povo, das escolas públicas em eterna greve, do SUS que marca a consulta para o ano que vem, do subúrbio aonde só se chega fazendo baldeação, do funk lascivo, do sertanejo choroso, do pão com mortadela, do vira-lata de olhar compassivo, do Faustão aos domingos, da sidra no Réveillon, do Diário Gaúcho, de Tramandaí, do Inter e do Corinthians.

Lá, atrás da cortininha, no convés espaçoso, a elite cheirosa do Anchieta, dos condomínios com segurança de quartel, da bossa nova sussurrada, dos intermináveis solos de jazz, do Netflix, das hamburguerias com sanduíche a R$ 40, das amenidades do Saia Justa, da borbulhância da Chandon Crystal, dos articulistas da Zero Hora, de Punta del Este, do Grêmio e do São Paulo.

Olhe, Castro! Lá está a Gabriela Pugliesi com seu abdômen de aço! Deve estar viajando ao lado de seu personal de crossfit. Olhe. O que eles querem, além de camarões flambados e lençóis egípcios de 2 mil fios comprados na Rio Nilo com Aristides Espínola? O que eles querem?

O golpe! Malditos!

E nós, aqui atrás, Castro, o que somos nós?

Somos os filhos do deserto,

Onde a terra esposa a luz.

Onde vive em campo aberto

A tribo dos homens nus...

Somos os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados

Combatemos na solidão.

Ontem simples, fortes, bravos.

Hoje míseros escravos,

Sem luz, sem ar, sem razão...

Sim, Castro, sim, eu odeio a classe executiva.

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