quinta-feira, 14 de janeiro de 2016



14 de janeiro de 2016 | N° 18414 
CARLOS GERBASE

NÃO LEIA "MEIN KAMPF"

Nada contra suas reedições, que devem acontecer em larga escala, agora que os direitos autorais estão liberados, 70 anos depois que uma Walther 7,65, empunhada pela mão de um homem cansado, doente e recém-casado fez um buraco na sua têmpora direita. Livros não devem ser proibidos, muito menos queimados, por mais abjetos e mal escritos que sejam, como é o caso. Livros devem ser lidos e interpretados. 

E os leitores devem ter educação suficiente para que essa interpretação não seja rasa. Talvez valha a pena dar uma olhada numa nova edição comentada, mas pelos comentários, não pelo texto original. O autor era ruim demais. Não tinha talento como pintor, nem como escritor, nem como estrategista militar. Tinha talento como orador, mas, nesse caso, é mais interessante ver e ouvir seus discursos em O Triunfo da Vontade, de Leni Riefenstahl.

Leia, por favor, Hitler, de Ian Kershaw. É fruto das pesquisas de um grande historiador e, acima de tudo, é bem escrito (e bem traduzido por Pedro Maia Soares). Consumi suas 1004 páginas (sem contar as notas) em menos de 15 dias. Acompanhe a trajetória de um jovem de classe média, amante de óperas, que vagabundeou em Viena até dilapidar uma herança considerável, atingir a linha da pobreza e viver em abrigos de moradores de rua. 

Saiba que esse homem encontrou no exército a salvação, foi um soldado razoável e absorveu velhos preconceitos até moldar, alguns anos depois, uma visão de mundo tão distorcida quanto poderosa, pois era capaz de oferecer a uma nação envergonhada uma explicação suficientemente simples para todos os seus males.

Hitler, sozinho, não explica a II Guerra Mundial nem o Holocausto. Mas ele é parte fundamental da explicação, ou, como muito melhor do que eu, explica Kershaw: “A forma extrema de mando pessoal que um pouco instruído demagogo de cervejaria e racista preconceituoso, um pretenso salvador nacional narcisista e megalomaníaco, pôde obter e exercer numa terra moderna, economicamente avançada e culta, conhecida por seus filósofos e poetas, foi absolutamente decisiva no terrível desenrolar dos eventos”. Compreender Hitler e suas circunstâncias é compreender esses nossos tempos, em que fanatismos e totalitarismos ainda insistem em assombrar o futuro da humanidade.

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