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quinta-feira, 3 de março de 2011
03 de março de 2011 | N° 16628
LETICIA WIERZCHOWSKI
A nossa música
Somos como estrelas. Brilhamos por algum tempo, muito ou pouco, e depois, pluft, apagamos. Setenta anos não são nada, me disse o meu pai dia desses. Tudo não passa de um cintilar que um dia esfriará. Mas nos unem certos preciosos momentos, quando brilhamos juntos, não no mesmo céu, mas no mesmo compasso.
Não estou fazendo poesia. Esses pensamentos todos dançaram na minha cabeça numa noite recente. Uma noite numas férias no Uruguai, quando, por uma dessas intrincadas tramas, fiozinhos secretos se uniram, e me vi assistindo a um delicadíssimo show de Vitor Ramil a poucos metros da praia de Portezuelo. O show, com o repertório do belo délibáb, estava lindo. E mais lindo foi ouvir Vitor Ramil cantar, tendo eu o meu filho João por companhia.
Porque, desde sempre, Vitor Ramil foi, digamos assim, uma espécie de trilha sonora do João na minha vida. Ele era ainda uma semente em mim quando escolhi, por força de uma coincidência boa, Estrela, Estrela como música do meu primeiro menino.
Cantei essa canção para o João ainda no útero, e cantei-a quando ele veio ao mundo, por meses e anos a fio, na hora da sesta, na hora do banho, na hora de dormir, nas dores, febres e angústias que o rondaram.
Por causa disso, João sabe Estrela, Estrela de cor e salteado. Outra música que acompanhou o João foi Noite de São João, belíssima canção que Vitor fez a partir de um poema de Fernando Pessoa.
Ao nascer, ainda na sala de parto, chegou-lhe aos ouvidos a voz de Vitor Ramil. Era mesmo uma noite de junho, e mais um João vinha brilhar por aqui (meu marido, um aficionado por música, tinha preparado um CD para o nosso menino). Enfim, uma trilha sonora mui significativa, ninguém há de negá-lo.
E então lá estávamos os dois, meu filho e eu, naquela bonita noite de sábado, no Medio y Medio, clube de jazz. Foi ideia de uma amiga querida que levássemos os nossos filhos para ver o show. E fiquei muito agradecida. Um momento desses (como diz a música mesmo?) no qual as coisas brilham quase sem querer. Vitor Ramil lá no palco, fazendo de forma brilhante o que veio fazer neste mundo, e meu menino lá, cantando.
Muito tempo se havia passado desde que sussurrei pela primeira vez, a mão na barriga, “é bom saber que és parte de mim, assim como és parte da canção...”. E não tive dó do tempo passado, foi muito bom, tão bom!, foi emocionante aquela mão na minha, e o rosto bonito do meu filho cintilando na alegria de ouvir a sua música. E depois, em casa, eu não pude dormir. Não havia como apagar a luz... A luz que ficou brilhando dentro de mim.
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