sexta-feira, 3 de abril de 2009



Chá-chá-chá do atraso

Autor(es): Nelson Motta - O Globo - 03/04/2009

"Ca cha cha de las secretárias, cha cha cha de las taquimecanógrafas." iEra um grande sucesso popular em 1959, animando as festas da juventude, embora ninguém soubesse que taquimecanógrafa era datilógrafa-taquígrafa, com hífen.

Cinquenta anos depois, elas estão de volta. As taquígrafas do Senado, dezenas, centenas, são tantas que tem até diretoria, secretaria, subsecretaria, um departamento inteiro, lotado por gente honesta, concursada e trabalhadora, mas também por fantasmas, apaniguados e vagabundos. Todos, os bons e os maus, são inúteis. E não por culpa deles: a tecnologia tornou a função obsoleta.

Hoje, qualquer gravadorzinho digital de 200 reais registra com fidelidade até a respiração do discursante, depois é só transcrever. Qualquer alfabetizado não surdo pode fazer isso. Há softwares que "leem" a voz e digitam o texto.

Com todo o respeito pelas taquígrafas, por todos os bons serviços prestados, e antes que o sindicato da categoria me mande um e-mail furibundo, essa função é um símbolo do atraso do Senado. Deveriam ser todas aposentadas e os cargos, extintos. O perigo é a verba para a compra dos gravadores.

Os senadores têm boca-livre até para telegramas. Eles adoram mandar telegramas, sim, em 2009, quando é muito mais simples e barato, ou de graça, mandar um email. Em qualquer rincão deste imenso pais-continente, onde houver um telefone, um laptop pode ser plugado. Em que século vive essa gente?

Eles também torram o nosso dinheiro em folhetos, brochuras, livros, "prestações de contas do mandato", que são distribuídos à farta - para quem não vai ler. O atraso só acredita no impresso, mesmo com 65 milhões de brasileiros ligados na internet.

Em plena era digital, quando bastaria publicar no site, dá um arrepio pensar nos milhares de árvores que serão derrubadas para que a gráfica do Senado imprima os anais, os discursos, os trabalhos das comissões, talvez algumas obras de referência, mas com certeza uma quantidade colossal de lixo impresso.

Enquanto as bibliotecas estão se digitalizando, eles imprimem cada vez mais. Para quê? Para quem? Até quando?

NELSON MOTTA é jornalista

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