quarta-feira, 22 de abril de 2009


Nas Entrelinhas - Claudio de Moura Castro

Inferno de Kátia no reino de Ana Júlia

Como a esquerda vem transformando uma de suas maiores vitórias numa grande e retumbante derrota

É furiosa a carta pública assinada pela senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional de Agricultura, a respeito da nova rodada de conflitos na região de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará.

Como sabe todo brasileiro vivo ou morto, quando uma mulher irrompe no cenário com as narinas inflamadas de indignação, convém ouvi-la. Ainda que seja para discordar, convém ouvi-la.

A epístola, de seis incisivos parágrafos, usa termos como “gravíssima situação”, “clima de terror”, “reiterada ação criminosa perpetrada por grupos armados”, “território sem lei”, “direitos fundamentais da pessoa humana ofendidos de forma recorrente”. Um inferno civilizatório descrito em linguagem de manifesto.

E tudo por quê? Porque ativistas do movimento dos trabalhadores sem-terra invadiram, pilharam e depredaram a Fazenda Esperança. No rol de sócios da propriedade figura o banqueiro Daniel Dantas. Ele mesmo, o supervilão nacional, segundo propaganda repetida há muitos anos, sobretudo por setores do PT ligados a fundos de pensão de empresas estatais.

Na última sexta-feira, houve um episódio de extrema gravidade na fazenda. Milícias sem-terra se armaram e marcharam cancela adentro, a destruir tudo o que lhe impedisse o avanço rumo à vila onde moram os funcionários do lugar. Há contradições sobre a motivação da ofensiva.

Para enfrentá-la, os seguranças da fazenda abriram fogo. Os “militantes” responderam com mais fogo. Havia uma equipe da TV Liberal, repetidora da Globo no Pará, no meio das duas linhas de tiro. Imagens chocantes foram captadas. Homens empunhando armas e atirando uns nos outros. Alguns caindo alvejados. Não há margem para dúvidas. Ali há uma guerra. Civil, mas guerra.

Vitória...

A assim chamada esquerda brasileira desde o nascimento elegeu a reforma agrária como uma de suas bandeiras. Em certa época, fazia muito sentido. Níveis inaceitáveis de pobreza no campo eram com justiça creditados aos latifúndios que, embora férteis, nada produziam em favor da sociedade.

Até mesmo a forte emigração da segunda metade do século 20 – criadora dos bolsões de miséria nos grandes centros urbanos brasileiros – pode ser logicamente relacionada à concentração ilegítima de terras nas mãos de coronéis e oligarcas de todos os tipos.

A ação do Estado para corrigir tal desequilíbrio é recente, depois da redemocratização. Resume-se à compra das terras ociosas pelo governo e sua distribuição aos movimentos sociais, inclusive o dos trabalhadores rurais sem-terra.

Do ponto de vista político há uma vitória retumbante da esquerda sobre o assunto. Todos os governos a partir de 1985 reconheceram a tese de que o direito de propriedade das chãs brasileiras se extingue na exata medida em que elas não são usadas. Tanto que o preço da desapropriação é inferior ao valor de mercado das terras tomadas para fins de reforma agrária.

Embora a ideia central permaneça intacta como política de governo, a realidade a que ela se aplica mudou profundamente e há muito tempo.

O Brasil tornou-se nos últimos anos uma potência agrícola. As fazendas por aqui têm produtividade muito acima das concorrentes da Europa ou dos Estados Unidos. A renda apropriada pelo país a partir do agronegócio é alta, muito alta. Compõe, na verdade, boa parte dos US$ 200 bilhões em reservas acumuladas nos últimos seis anos. Deixar lugar fértil improdutivo custa caro. Por isso mesmo, não costuma durar muito.

E derrota...

Os trabalhadores sem-terra, por seu lado, somente em alguns poucos e ralos casos lutam com justiça por um punhado de chão para plantar e para colher. Na esmagadora maioria das vezes, está metido em tramoias para, com suas ocupações, prejudicar politicamente desafetos seus ou de seus aliados. Ou mesmo para fins mais vis, tais como elevar ou reduzir o valor de mercado de propriedades ou mesmo incluí-las artificialmente no programa de reforma agrária.

O estado do Pará, como se sabe, é governado pela petista Ana Júlia Carepa. Se bem me lembro, ela teve uma passagem medíocre pelo Senado. Gostava de fazer discursos sem pé nem cabeça sobre tramas financeiras de lavagem de dinheiro. Um de seus personagens favoritos era justamente Daniel Dantas.

Seja o banqueiro ou não o bandido que dizem, é fato que a Fazenda Esperança exerce o potencial econômico que dela se espera. Tanto que a Justiça do Pará já determinou ao governo do estado que restabeleça a posse aos proprietários. Isto é, que retire de lá os invasores.

A demora de Ana Júlia Carepa em cumprir a ordem judicial não só empobrece ainda mais a biografia da grande dama paraense. Faz o Brasil parecer um lugar menos civilizado do que realmente é.

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