quarta-feira, 29 de abril de 2009


GILBERTO DIMENSTEIN

À procura de um olhar

Dessa vez, foram os corpos das prostitutas da Luz, e não os de Rodin, que ajudaram a produzir um olhar -e muita fila

AS ESTÁTUAS DE Rodin provocavam uma gigantesca fila em torno da Pinacoteca, esparramando-se pelo parque da Luz. Uma das prostitutas que habitualmente batia o ponto na região olhava, curiosa, aquela movimentação.

Parou um homem que passava pela calçada e perguntou: "Moço, me diga aí uma coisa. Como uma estátua de gente pelada consegue fazer tanto barulho?"

Passados tantos anos daquele encontro, Diógenes Moura fez com que, na semana passada, os corpos das prostitutas da Luz produzissem fila nos sóbrios salões da Pinacoteca.

Diógenes nasceu em Recife, passou mais de 12 anos em Salvador e mudou-se para São Paulo, onde assumiu a curadoria das exposições fotográficas da Pinacoteca. Como decidiu morar nas imediações e ia caminhando até o museu, ele descobriu os movimentos das diferentes tribos -de prostitutas, drogados e mendigos aos imigrantes e aposentados, muitos dos quais dividem, em determinados horários, os mesmos espaços.

"Enxergar São Paulo sempre foi um desafio para mim. Tenho a sensação de que aquele que não entende a cidade é engolido."

Gente "engolida" pelas ruas é a paisagem mais frequente da cracolândia, o símbolo da deterioração urbana. Assistiu, em câmera lenta, a uma polêmica decisão -a derrubada da grade entre o museu e o parque, com suas prostitutas, mendigos, marginais, que faziam ali receptação de furtos. "Deu uma insegurança geral."

Os marginais não invadiram o museu -mas o museu invadiu o parque, transformado numa galeria de esculturas a céu aberto. Diógenes realizou exposições numa antiga casa de chá, dentro do parque da Luz. Como é escritor, ele tomava notas das cenas que via e das frases que ouvia nos seus passeios, entre as quais a da prostituta encantada com o poder de sedução de Rodin.

Nos preparativos para o Ano da França no Brasil, Diógenes convidou o fotógrafo francês Antoine D'Agata, da agência Magnum, para registrar a intimidade de prostitutas que frequentam bordéis da Luz -e chegou a guiá-lo por alguns endereços, onde receberam portas na cara. "Tinha ficado muito impressionado com o trabalho dele sobre a intimidade sexual."

Desde o sábado passado, as imagens fazem parte da mostra "À procura de um olhar", mistura de fotógrafos brasileiros e franceses, entre os quais Pierre Verger. Nunca uma exposição fotográfica foi visitada por tanta gente num único dia.

Foram 4.000 visitantes. "Batemos os recordes de todas as nossas mostras fotográficas", orgulha-se Diógenes. Dessa vez, foram os corpos das prostitutas da Luz, e não os de Rodin, que ajudaram a produzir um olhar -e muita fila.

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