quarta-feira, 22 de abril de 2009



22 de abril de 2009
N° 15947 - PAULO SANT’ANA


A cota do defunto

É indefensável a farra de passagens aéreas no parlamento federal.

Um parlamento sai caro, mas só se admitem passagens aéreas pagas pelo erário quando forem usadas para o restrito uso da atividade parlamentar.

Se estiverem trabalhando, mesmo que fora de Brasília, é justo que deputados e senadores tenham as passagens custeadas pela Câmara ou pelo Senado.

Mas o que se viu foi uma farra turística de viagens pagas pelo tesouro público.

Não há justificativa para o festival de terceirização de passagens que veio à tona no Congresso Nacional.

Por que os parlamentares teriam direito a fazer o que fizeram muitos deles: mandaram seus parentes ou conhecidos viajar para a Bahia, Milão, Nova York, Miami e outras estâncias turísticas com passagens custeadas por sua cota pessoal?

Onde está o nexo, a justificativa para que esses gastos sejam pagos pelo parlamento?

Se a cota pessoal de cada parlamentar não foi excedida, isso não dá direito a que sejam estendidas mordomias para seus familiares.

Não dá direito nem ao próprio deputado ou senador para usar as passagens para viagem turística. Quanto mais para terceiros.

Mas, de todas essas excentricidades malfeitoras, a que mais causou alarma foi a acontecida com a cota de passagens de um senador já falecido, Jefferson Péres (PDT-AM).

Jefferson Péres sempre foi considerado um dos mais austeros parlamentares brasileiros. Natural que ele tivesse cuidado em efetuar gastos com passagens aéreas.

O senador, enquanto vivo, não usava a sua cota de passagens aéreas, certamente por pudor, por ética.

Quando falecido, constatou-se que estava intocável a cota de passagens a que tinha direito.

Pois o incrível aconteceu: a viúva do senador solicitou à mesa do Senado que fosse reembolsada com o valor correspondente à cota de passagens que cabia a seu marido, enquanto vivo.

E ela foi ressarcida de R$ 118 mil. Recebeu R$ 118 mil que seu marido, por imposição ética, renunciara a gastar em vida.

Evidentemente que a viúva do senador, de moto próprio, não imaginava que seu marido não gastara a cota de passagens a que tinha direito.

Ela foi certamente alertada por alguém da mesa do Senado. E foi inspirada a solicitar o solerte benefício.

Este escândalo ganhou forma como o mais alarmante entre todos que sobressaíram nesta festa das passagens aéreas no Congresso.

Temos, então, que a memória do senador Jefferson Péres foi ofendida com o pagamento de passagens aéreas que não usara.

Se já soava com estardalhaço o escândalo de que parlamentares usavam sua cota de passagens para custear viagens de parentes, conhecidos, artistas, ao Exterior ou a estâncias turísticas nacionais, imaginem a que clímax de gastança e exploração dos cofres públicos chegou a demasia espúria quando se soube que um defunto tinha direito à cota de passagens.

E mais: o defunto não usara sua cota de passagens por pudicícia. Mas era concedida à sua viúva uma contraindenização póstera por sua ética, numa lógica obtusa incomparável.

O senador Jefferson Péres deve estar se revirando no túmulo.

E o Senado perde com esse ato toda a respeitabilidade que lhe era devida pelos eleitores.

Alguns parlamentares alegam que esta campanha da imprensa contra o parlamento visa a desmoralizar a entidade e enfraquecer a democracia.

Pelo contrário, visa a fortalecer o parlamento e a democracia ao advertir que são incompatíveis com ele estas imoralidades assustadoras.

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