terça-feira, 28 de abril de 2009



28 de abril de 2009
N° 15953 - LUÍS AUGUSTO FISCHER


Fala de quem tem o que dizer

O escritor Primo Levi, sobrevivente de campos de concentração na Alemanha nazista, perguntado sobre como funcionava aquilo e como se saía vivo de lá, diz: “Não havia regra geral, além de entrar no campo com saúde e sabendo falar alemão; fora isso, era uma questão de sorte”. Não haver regra geral significa, em português corrente, o império do arbítrio absoluto, a submissão ao chefe de plantão.

O escritor checo Ivan Klima, nascido em Praga, portanto conhecedor in loco dos horrores da ditadura stalinista, relembra o começo de sua carreira, publicando em edições precárias, e faz a equação entre o poder discricionário e a liberdade: “O Poder temia as críticas.

Ele também tinha consciência de que qualquer forma de vida espiritual, em última análise, está voltada para a liberdade”. Assim foi lá e, então, assim é em qualquer tempo e parte.

A escritora irlandesa Edna O’ Brien, frequentadora assídua dos territórios da infância em sua ficção, assim percebe a dinâmica da vida: “O período da vida em que você está mais vivo e mais consciente é a infância, e a gente passa o resto da vida tentando recuperar aquela consciência acentuada”. E não é isso mesmo, especialmente para artistas?

Como é que eu conheço essas agudas reflexões sobre a vida? Porque eu li Entre Nós, um ótimo livro de Philip Roth que reúne entrevistas, correspondências e ensaios do grande romancista (Companhia das Letras, tradução de Paulo Henriques Brito).

Roth, que nos delicia com romances tão fortes no retrato da experiência do indivíduo culto de nosso tempo, aqui faz o papel raro de comentador da vida – não como um cronista da vida diária apenas (falando nisso:

o melhor paralelo para ele, no português contemporâneo, em relevância cultural e em consistência intelectual, é Luis Fernando Verissimo), mas como alguém que tem o que dizer sobre o fundo de nossa alma, neste caso dando também a voz para outros que idem.

São de Roth, ao longo do livro, algumas da melhores passagens, como esta, a propósito de sua experiência na antiga Checoslováquia, em contraste com sua vida de nova-iorquino:

“Numa cultura como a minha, em que nada é censurado mas em que os meios de comunicação de massa nos inundam de falsificações idiotas da existência humana, a literatura séria também é responsável pela preservação da vida, ainda que a sociedade praticamente não lhe dê atenção”. Exato, caro Roth, exato.

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