sábado, 25 de abril de 2009



26 de abril de 2009
N° 15951 - PAULO SANT’ANA


Remédio trigueiro

Como sou diabético e fumo três maços de cigarro por dia, corro um risco muito grande.

Por isso, fiquei tentado no ano passado por um remédio do qual se diziam maravilhas, sendo classificado entre os médicos como o mais poderoso medicamento para curar o vício do tabagismo.

Nome do remédio: Champix. Preço da caixa do remédio: em torno de R$ 1 mil, mas com muitos comprimidos, um tratamento de meses. Nome do laboratório: Pfizer.

Comprei a caixa do remédio. Me parece que o tratamento se iniciava com meio comprimido diário, depois ia aumentando.

Fui tomando o remédio, e era tal a sua fama, que, por via das dúvidas, saboreei ainda mais os cigarros que ia fumando. Afinal, me preparei para abandonar o supremo êxtase de fumar.

Aumentei a dose como mandava a sofisticada bula, fui tomando, fui tomando.

E cada vez fumava mais, na ânsia de me despedir com exuberância irracional do vício tão estimado por mim. Sabem como é, o cigarro se incorporou de tal forma à minha personalidade e ao meu metabolismo, que sempre o considerei ser indissociável do meu ser.

Enquanto isso, os amigos me diziam que finalmente eu acertara. O remédio tinha um prestígio notável no meio médico e era cantado em prosa e verso por muita gente que tinha deixado de fumar com o tratamento.

Não me lembro ainda qual o prazo que a bula do remédio me dava para deixar de fumar, enquanto prosseguiria ingerindo os comprimidos.

Mas, enquanto eu podia fumar, fumava. E ia tomando o remédio.

Lá pelos 50 dias de tratamento, comecei a notar leves mas perceptíveis sinais de transformação no meu hábito de fumar.

Eu já não fumava três carteiras por dia, passei para duas e meia, o nível de exigência do meu paladar diminuíra.

Logo em seguida, um sinal mais perturbador: gradativamente, à medida que os dias iam passando, notei uma diferença no gosto do cigarro. Ele já não me apetecia tanto quanto no tempo em que eu não usava o remédio.

Achei aquilo estranho, mas o meu médico me disse que o plano estava dando certo, aqueles eram mesmo os sintomas esperados para o sucesso do empreendimento.

O que me atormentava especialmente era que, antes de terminar o prazo para eu cessar de fumar, embora mantivesse o tratamento, eu estava ingressando no perigoso terreno de enjoar de cigarro. Já não o acendia ansioso para tragá-lo, já não comprava com ímpeto as várias carteiras que sempre reservei a um estoque considerável. Meu apetite pela fumaça diminuíra violentamente.

Até que baixei a cota para duas carteiras de cigarros por dia. Parece-me que a índole do remédio é essa, diminui-se o número de cigarros que se fuma, naturalmente, por falta de demanda instintiva, enquanto a dose do medicamento aumenta.

Para abreviar, até mesmo porque minha memória é péssima e eu não lembro de alguns detalhes, cheguei à conclusão de que eu estava perdendo o gosto pelo vício e não tinha mais aquele prazer antigo e inesquecível de saborear os cigarros.

Fiz uma imediata reunião comigo mesmo e decidi radicalmente: “Sabe de uma coisa, na marcha que vai, se eu continuar tomando este remédio, vou acabar perdendo inteiramente o gosto pelo cigarro e terei de inevitavelmente parar de fumar”.

E concluí botar aquela porcaria do remédio fora, antes que ele me separasse para sempre de um dos dois únicos grandes prazeres que me restaram.

E como parei de tomar o remédio, prossigo novamente a fumar três carteiras por dia. Mas estou feliz, isto é o que interessa. Com medo concreto de que o cigarro me venha a ser fatal, mas feliz.

Neste domingo às 19h30min, na Cervejaria Dado Bier do Bourbon Country, o psiquiatra Paulo Sérgio Guedes autografa seu livro de poesia Nada Precisa Ser como É.

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