terça-feira, 21 de abril de 2009



O passarinho Sonhador
Estorinha para nanar crianças

Era uma avezita que sonhava em seu poleirinho. Olhava o luar e fazia subir fantasias pelo céu. Seu sonho se imensidava:
- “Hei-de pousar lá, na lua”.

Os outros lhe chamavam à térrea realidade. Mas o passarinho devaneava, insistonto: vou subir lá, mais acima que os firmamentos. Seus colegas de galho se riram: aquilo não passava de menineira. Todos sabiam: não havia voo que bastasse para vencer aquela distancia. Mas o passarinho sonhador não se compadecia. Ele queria luarar-se. Pelo que o tudo ficava nada.

Certa noite, de lua inteira, ele se lançou nos céus, cheio de sonho. E voou, voou, voou. Perdeu conta do tempo. Em certo momento ele não sabia se subia, se tombava. Seus sentidos se enrolaram uns nos outros. Desmaiou? Ou sonhou que sonhava? Certo é que seu corpo foi sacudido pelo embute de um outro corpo. E pousou naquela terra da lua, imensa savana pétrea.

A ave contemplou aquela extensão de luz e ficou esperando a noite para adormecer. Mas noite nenhuma chegou. Na lua não faz dia nem noite. É sempre luz. E o pássaro cansado de sua vigília quis voltar à terra. Bateu as asas mas não viu seu corpo se suspender. As asas se tinham convertido em luar.

Com o bico desalisou as penas. Mas penas já nem eram: agora, simples reflexos, rebrilhos de um sol coado. O pássaro lançou seu grito, esses que deflagrava antes de se erguer nos céus. Mas sua voz ficou na intenção. A ave estava emudecida. Porque na lua o céu é quase pouco. E sem céu não existe canto.

Triste, ela chorou. Mas as lágrimas não escorreram. Ficaram pedrinhas na berma da pálpebra, cristais de prata. A avezita estava cativa da lua, aprisionada em seu próprio sonho.

Foi então que ela escutou uma voz feita de ecos. Era a própria carne da lua falando:
- “Eu sonhei que tu vinhas cantar-me.
- “E porquê me sonhaste?
- “Porque aqui não há voz vivente.
- “Eu também sonhei que haveria de pousar em ti.
- “Eu sei. Agora vais cantar em luar. Eu sonhei assim e nenhum sonho é mais forte que o meu”.

É assim que ainda hoje se vê, lá na prata da lua, a pupila estrelinhada do passarinho sonhador. E nenhuma criatura, a não ser a noite, escuta o canto da avezinha enluarada. Sobre as primeiras folhas da madrugada, tombam gotas de cacimbo. São lagriminhas do pássaro que sonhou pousar na lua.

Amo essas estorinhas e se ler já é bom imagina contar para crianças e fazê-las nanar então...
Mia Couto

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