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sábado, 4 de abril de 2009
04 de abril de 2009
N° 15928 - CLÁUDIA LAITANO
Covers
Porto Alegre aplaudiu de pé o homem que já foi considerado o sujeito mais azarado do mundo. Pete Best, o cara que perdeu o emprego de baterista dos Beatles quando a banda estava a uma nota do sucesso planetário, fez uma participação especial no show da banda argentina The Beats no último fim de semana.
Embalada pela fama de ser a melhor banda cover dos Beatles em atividade, The Beats costuma atrair um público animado e numeroso a seus shows – não só os beatlemaníacos de primeira hora, mas filhos, netos e agregados também.
A possibilidade de ver no palco um quase-beatle de verdade atiçou ainda mais os fãs, ávidos por um fiapo da aura dos ídolos ainda impregnada no homem que perdeu a vaga, e a fama, para Ringo Starr.
Entre constrangido e bonachão, Best contou passagens de duas temporadas de shows em Hamburgo, com John, Paul e George, em 1960 e em 1961, fez piadas sem graça sobre o empresário Brian Epstein, supostamente responsável pela sua substituição, e até tocou um pouquinho de bateria também.
Shakespeare poderia ter escrito uma tragédia sobre uma vida como essa: um homem que chega até o umbral da glória, limpa os sapatos no seu tapete, coloca a mão na maçaneta, mas, um instante apenas antes do passo definitivo, é catapultado rumo ao semi-anonimato de uma nota de rodapé dos livros de história.
Lá estava ele, um herói trágico tentando fazer piada com os desvios do próprio destino, diante de uma plateia dividida entre a compaixão e a admiração por aqueles dois anos de ensaio para a fama que não veio. Pete Best não foi o que poderia ter sido – mas quem de nós não pensa isso sobre si mesmo de vez em quando.
Enquanto Pete Best é um quase-beatle de verdade sem fama nem glória, The Beats são beatles de mentira com sua parcela de fama e público assegurada. Imitando a banda mais famosa do mundo, os argentinos levam ao paroxismo a obsessão pela cópia: gravam nos mesmos estúdios, recuperam no porão de uma gravadora os instrumentos originais, emulam figurinos, cortes de cabelo, timbres de voz.
Cada acorde executado no palco soa exatamente como nos álbuns dos Beatles, e mesmo assim eles gravam seus próprios discos – por motivos que, confesso, me escapam.
Houve uma época em que imitar um grande artista era o caminho para tornar-se também um mestre.Copiar era uma forma de aperfeiçoar-se na técnica, e a originalidade (ou falta de) não definia o valor artístico de uma obra – até a Renascença, uma banda cover perfeita poderia ter um prestígio semelhante ao da banda original.
Hoje se acredita que somos nós, os espectadores, que atribuímos o valor que uma obra tem – baseados não apenas no gosto pessoal, mas no que sabemos sobre a obra (o que dizem os críticos, os especialistas, o mercado), no lugar em que estão (em um museu ou em uma estação de metrô) e no que nossa época e nosso grupo social nos levam a acreditar (a respeito, por exemplo, de valores como a originalidade).
Para a sensibilidade dos nossos dias, uma banda que imita outra sempre será uma atração menor – por mais perfeita que soe tecnicamente. O cover é uma espécie de faz-de-conta de adultos, a encenação de uma experiência musical marcante.
E quanto mais obstinadamente igual, mais confunde nossa sensibilidade: se a fidelidade ao original nos conforta, a previsibilidade quase mecânica e a ausência de espaço para a criação nos conduzem não a uma verdadeira experiência estética, mas a uma espécie de museu de cera das emoções que, um dia, o original nos despertou.
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