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sábado, 25 de abril de 2009
Mudanças climáticas são piores do que se pensava
Novos estudos mostram que as previsões catastróficas feitas pelo Painel da ONU em 2007 eram tímidas. A situação é mais grave
Marcela Buscato
DESMANCHE
Cientista observa blocos de gelo em processo de derretimento na Antártica. Na última década, o degelo aumentou em 75%, segundo dados revisados
Representantes da Itália e da Suíça sentaram-se à mesa de negociações para solucionar um problema que pensavam ter resolvido há quase 70 anos: onde começa e termina cada país. Em 1941, quando as fronteiras foram formalizadas, pareceu uma boa ideia usar como marco as geleiras dos cumes dos Alpes, um cartão-postal da Europa. Elas representavam uma referência atemporal. Mas, com o aquecimento global, parte da neve derreteu. E sumiu com a divisão entre os países.
Italianos e suíços resolveram o problema pacificamente: vão usar como parâmetro as rochas expostas pela ausência da neve. Mas o contratempo diplomático mostrou que os impactos mais drásticos das mudanças climáticas já estão acontecendo. E, de acordo com uma nova leva de pesquisas, mais rápido do que se previa.
Estudos recentes mostram que a velocidade do aquecimento global está acelerada se comparada ao que previram há apenas dois anos os cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a cúpula internacional reunida pelas Nações Unidas para estudar o fenômeno. As novas pesquisas reúnem dados mais recentes que os compilados no último relatório do IPCC, que em geral datam de 2005.
Além de atuais, os últimos estudos são mais precisos porque os pesquisadores conseguiram analisar uma escala maior de tempo, o que confere exatidão à detecção de tendências. “Já estamos no pior cenário previsto pelo IPCC”, afirma a oceanógrafa americana Katherine Richardson, pesquisadora da Universidade de Copenhague, na Dinamarca.
“A situação é até pior que o estimado no caso do degelo do Ártico e da elevação do nível do mar.” (Leia a entrevista) Em março, Katherine e cientistas de vários países se reuniram em Copenhague para dar esse recado ao mundo. Foi a forma que eles encontraram para alertar os políticos que se encontrarão em dezembro, também em Copenhague, para votar um novo acordo para cortar emissões.
Ao lado do biólogo americano Christopher Field, da Instituição Carnegie para Ciência, em Washington, e do climatologista James Hansen, do Instituto Goddard da Nasa, a agência espacial americana, Katherine é uma das cientistas mais ativas no alerta sobre o aquecimento global.
Field estuda como as plantas e os ecossistemas responderão ao aumento da temperatura e tem declarado que o mundo está diante de um futuro climático além de qualquer previsão pessimista. Hansen, que desde a década de 1980 faz advertências sobre o aquecimento global, diz que a sociedade tem menos de uma década para frear as mudanças climáticas se não quiser viver em um planeta irreconhecível.
A maioria dos pesquisadores é mais reticente. Eles temem que afirmações catastróficas desestimulem as mudanças necessárias para diminuir as emissões. Um segundo motivo é o rigor científico. Como qualquer investigação científica, suas medições e análises carregam um grau de incerteza. Para não dar declarações exageradas, muitos pesquisadores acabam não enfatizando o suficiente suas conclusões.
“Sinto-me decepcionado em como demoramos para convencer a sociedade de que o aquecimento global é uma ameaça real”, diz o glaciologista americano Robert Bindschadler, pesquisador da Nasa que há 25 anos estuda o continente antártico. “A maior parte dos cientistas está perplexa com a eficiência dos céticos em destacar as incertezas de nossas pesquisas.”
Apesar da cautela dos cientistas, as evidências reunidas nos últimos quatro anos não deixam dúvidas da escalada das mudanças climáticas. E elas devem integrar o próximo relatório do IPCC, em 2014.
“Algumas consequências do aquecimento já são irreversíveis, como a expansão da área tropical no planeta”, afirma o meteorologista alemão Thomas Reichler, pesquisador da Universidade de Utah, nos Estados Unidos. Reichler diz que em Salt Lake City, onde mora, o verão já está mais seco e as chuvas devem diminuir pelo menos 10% nos próximos anos. É uma previsão preocupante para uma região desértica. “Nossas ações hoje é que ditarão quão ruim a situação vai ficar no futuro.”
Segundo os cientistas, não estamos fazendo o que poderíamos para diminuir a emissão de gás carbônico, o principal responsável pelo aquecimento global. Desde a Revolução Industrial, no século XVIII, nós o emitimos em atividades como a queima de petróleo e carvão para gerar energia.
Ele esquenta o planeta, porque forma uma camada de gás na atmosfera que retém o calor do Sol. Agora que sabemos disso, deveríamos diminuir as emissões. Em vez disso, elas estão aumentando. E em um ritmo que resultaria no pior cenário antecipado pelo IPCC: o planeta ficaria 6,4 graus célsius mais quente antes do fim do século.
O trabalho de um consórcio internacional de cientistas, o Global Carbon Project, mostrou que só entre 2000 e 2004 o crescimento anual das emissões triplicou, de 1,1% por ano nos anos 1990 para 3%. A industrialização de países como China e Índia, com base na queima de carvão, seria a principal causa desse aumento. Em 2004, os países em desenvolvimento teriam contribuído com 73% do aumento das emissões globais.
O cenário mais otimista previsto pelo relatório do IPCC (um acréscimo de “apenas” 2 graus na temperatura) já é considerado improvável. O Hadley Center, no Reino Unido, referência internacional em modelos climáticos, refez suas previsões no ano passado e sugeriu um futuro ainda mais quente. Mesmo que as emissões caiam 3% ao ano a partir de 2010, a temperatura aumentaria no mínimo 2,9 graus em 2100. No ritmo atual, seriam 7,1 graus a mais.
O impacto seria avassalador. Nas contas do IPCC, 4 graus a mais fariam com que o nível do mar subisse até 59 centímetros. Seria o suficiente para desabrigar 313 milhões de pessoas, cerca de 5% da população mundial. Hoje, essa previsão é considerada conservadora demais. Os cientistas já dão como certa uma elevação do nível do mar em 1 metro até 2100. Cerca de 600 milhões de pessoas ficariam desabrigadas.
Segundo estudos, 5% do fundo congelado do Oceano Ártico já começou a liberar metano
A revisão das projeções foi provocada por novas análises do comportamento do oceano nos últimos milhares de anos. E por novos dados que mostram a aceleração do derretimento da Antártica. Pesquisadores da Universidade da Califórnia constataram que, entre 1996 e 2006, o degelo na Antártica aumentou 75%.
A parte mais vulnerável é o oeste do continente. Lá, os cientistas observam a aceleração do derretimento de grandes geleiras como a Pine Island, que mede 250 quilômetros de comprimento. “Geleiras como essa podem derreter em uma questão de séculos”, diz Bindschadler, da Nasa. “Isso elevaria o nível do mar em 5 metros.”
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