segunda-feira, 20 de abril de 2009



20 de abril de 2009
N° 15945 - LUIS FERNANDO VERISSIMO


Crise e consequência

“Crise” e “oportunidade” são representadas pelos mesmos ideogramas chineses, como se ouve muito em palestras inspiradoras para empresários. Segundo a velha sabedoria chinesa, o azar de uns pode ser a sorte de outros, o que para uns é desastre para outros é bênção.

Quando querem dar uma ideia da crise econômica na Alemanha durante a República de Weimar, sempre recorrem à mesma imagem: a hiperinflação era tamanha, que para se comprar um pão na padaria era preciso levar marcos num carrinho de mão.

O valor de tudo era medido em carrinhos de mão cheios de marcos, e eram necessários cada vez mais carrinhos de mão para carregar os marcos cada vez mais desvalorizados. Pode-se imaginar os carrinhos de mão engarrafando o trânsito nas ruas de Berlim. E todos se queixando da situação, dizendo que aquilo não podia continuar, que era preciso um governo forte para acabar com aquilo, que assim não dava mais etc.

Todos, menos o Kurt. O Kurt estava feliz. Enquanto à sua volta os outros perdiam dinheiro e se lamentavam, o Kurt prosperava e exultava. Sua pequena indústria crescera e não parava de crescer. Em vez de desempregar, Kurt empregava. E enriquecia em meio à crise. Como aquilo era possível?

Kurt, claro, tinha a única fábrica de carrinhos de mão da Alemanha.

Li que em Nova York tem uma empresa prosperando como a do Kurt na parábola acima. Ela faz sacolas elegantes, mas simples, de aspecto neutro e sem nenhuma inscrição, para substituir as sacolas que as lojas de grife davam para seus clientes levarem as compras.

Assim, os clientes podem andar na rua sem o risco de serem confundidos com banqueiros de Wall Street, ou suas mulheres, gastando suas gratificações imerecidas pagas pelo contribuinte, enquanto o contribuinte pena. Crise e oportunidade.

Na Idade Média, era comum os padres mandarem os pecadores jogarem cinza sobre a cabeça, em sinal de contrição, depois de se confessarem. Desenvolveu-se um rico comércio de cinza na saída das igrejas. Em todos os últimos governos dos Estados Unidos tinha gente da financeira Goldman Sachs cuidando da economia.

Um ex-diretor da Goldman Sachs, Henry Paulson, era o secretário do Tesouro do Bush quando a crise estourou. Receitou ajuda do governo para todos os bancos combalidos, menos para o Lehman Brothers, grande rival do Goldman Sachs, que deixou quebrar.

Agora o Goldman Sachs é o primeiro dos combalidos a declarar que saiu da crise. Há quem diga que o primeiro dever de qualquer secretário do Tesouro americano, incluindo o do Baraca, é proteger o Goldman Sachs. Mas é o mesmo tipo de gente maliciosa que desconfiava de que a Igreja lucrava com o comércio de cinza.

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