sábado, 25 de abril de 2009



25 de abril de 2009
N° 15950 - CLÁUDIA LAITANO


O discurso e a prática

Por trás de cada notícia de escândalo, corrupção, jeitinho, malandragem, roubalheira explícita, há uma aula de filosofia.

Um jornal ideal, além do cronista esportivo e do analista econômico, deveria contar com um colunista diário de assuntos filosóficos, alguém que nos ajudasse a entender, à luz do que os grandes pensadores já escreveram sobre o assunto, por que tanta gente, famosos e anônimos, ricos e pobres, pós-graduados e analfabetos, tem dificuldade de distinguir o certo e o errado.

É muito fácil chamar o político de ladrão, colocá-lo em uma posição moral obviamente inferior à nossa e voltar aos afazeres do dia-a-dia – como se não fôssemos todos feitos da mesma matéria que dá origem aos canalhas e aos homens honrados.

Um filósofo alemão chamado Immanuel Kant propôs uma regra infalível para avaliarmos se uma atitude é moral ou não: nunca deveríamos fazer nada que não gostaríamos que virasse uma lei universal.

Dois episódios recentes, em nada raros ou excepcionais, mostram como é frequente que o discurso sobre moral vá para um lado enquanto a prática, esta danada, vai para o outro.

No caso da “farra das passagens” – o uso das cotas de viagens dos deputados para financiar passeios ao Exterior para amigos, familiares e namoradas – chama mais a atenção a presença de políticos do chamado “grupo ético” na lista dos que usaram as passagens de forma indevida do que o escândalo em si.

O deslize dos “éticos” é mais eloquente do que todo o esforço do baixo clero do Congresso para impedir que as medidas moralizadoras discutidas na quarta-feira passada entrassem em vigor. Aqueles que brigam pelos seus privilégios com a sólida convicção de que eles são a própria razão de ser do mandato não nos ensinam nada – são o senso comum da classe política brasileira.

Mas quando os poucos que parecem genuinamente interessados em provar que é possível fazer política de uma forma diferente não conseguem perceber nada errado no fato de o dinheiro público estar sendo usado para financiar assuntos privados a conclusão óbvia é de que nem o “grupo ético” está muito seguro sobre o sentido da palavra ética.

O mesmo impacto simbólico teve o escândalo com os filhos bastardos do presidente paraguaio Fernando Lugo. O assunto virou piada – talvez porque a imagem de “macho latino” não seja de todo negativa para um político sul-americano, mesmo quando ele é um ex-bispo.

Os que discutem o assunto a sério têm questionado a obrigatoriedade do celibato ou a honestidade de um político que, como padre, já vivia uma vida dupla.

Mas o que mais chama a atenção nesse episódio não é o fato de Lugo, como tantos, ter tido uma vida sexual ativa durante o sacerdócio, inclusive relacionando-se com uma menina de apenas 16 anos.

O que realmente impressiona é o fato de que ele abandonava os filhos, como se não tivesse nenhuma responsabilidade com relação a eles, nem mesmo financeira. Como se a paternidade fosse uma questão de escolha – assim como manter-se ou não dentro da Igreja.

Em espanhol, “pai” e “padre” são a mesma palavra. Padres podem abrir mão da batina e seguir sua vida com a consciência limpa, já os pais não podem desistir dos filhos e fazer de conta que eles não existem.

Que um homem que fez isso tenha vivido boa parte de sua vida pregando a compaixão e a moral é daquelas situações que nos lembram que a alma humana pode ser um casarão cheio de quartos escuros – mesmo quando o dono da casa é um fabricante de lâmpadas.

Nenhum comentário: