quinta-feira, 16 de abril de 2009



16 de abril de 2009 | N° 15941
LETICIA WIERZCHOWSK


Um relato matinal

Caminho pela Rua Coronel B
ordini nesta segunda-feira. São 10 horas em ponto e um sol bonito brilha no céu, enquanto sigo em direção à farmácia que fica na esquina da Cristóvão Colombo, pois preciso de leite em pó para o meu filho. O feriado de Páscoa terminou, e a cidade borbulha de movimento, mas esse dia bonito (ou talvez o descanso prolongado) imprime certa alegria nos rostos que cruzam por mim.

Agora corta. Nova cena: ruído de sirenes, e dois carros de polícia descem velozmente a rua. Da direção oposta, surge outro carro. Instintivamente, corro para dentro de uma loja junto com mais alguns pedestres assustados. Pneus guincham lá fora, ouvimos gritos e, por fim, tiros. Da porta da loja, eu ainda posso ver o céu azul, impassível.

Mas a rua perdeu suas gentes, cada um tratou de se esconder onde pôde. Quando os tiros cessam e a coisa parece serenar, o senhor ao meu lado diz que vai embora. Tem hora no médico, e a confusão provavelmente acabou. Saio junto, assustada, dando graças pelo fato de ter deixado meus filhos em casa, ao invés de sair com eles para aproveitar a manhã agradável.

Na esquina, vários policiais cercam um jovem. As pessoas ao meu redor dizem que ele roubou um carro e trazia um refém. Existe ainda algum de nós que não tem medo de sequestros relâmpagos? Os transeuntes, saindo de detrás dos muros e de dentro das lojas onde se refugiaram na hora do tiroteio, comentam que a violência está terrível.

O ladrão, baleado nas pernas (dois tiros, dizem perto de mim), leva uma surra de dois policiais. Quebraram-lhe os óculos de grau. Um policial dá uma porrada nas suas pernas que sangram, e o sangue, vermelho, espirra no asfalto.

O ladrão cai e é levantado. Dois homens atiram-no para dentro do camburão, deixando para trás, no lugar do tombo, uma poça de sangue. Um rapaz ao meu lado recolhe do chão um projétil e entrega-o ao policial mais próximo. Mães e crianças saem da escola de inglês. Gente aplaude a surra (a maioria), gente lamenta a violência que gera mais violência.

As pessoas seguem seus caminhos, enquanto os carros de polícia vão embora levando o ladrão algemado. Ao meu lado, uma senhora abraça um menino. Ainda bem que a gente perdeu o ônibus, ela diz.

Se a gente tivesse passado por aqui antes, só Deus sabe. Uma mulher pega uma mangueira e, diligentemente, começa a lavar a calçada, o sangue espalhado pelo asfalto, a poça vermelha que ficou ali naquele cruzamento.

Ela balança a cabeça, desolada, trabalhando rapidamente. Anestesiadas, saciadas, indignadas, deprimidas com esse triste espetáculo de violência e horror cotidiano que nos morde por todos os lados, as gentes seguem seus rumos, enquanto o trânsito volta ao normal na Coronel Bordini, 10 horas e quinze minutos, nessa ensolarada manhã de segunda-feira.

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