sábado, 18 de abril de 2009


Ruth de Aquino

O primeiro amor em Copacabana

Meu primeiro caso de amor e ódio acabou na praia, depois que ele tentou me afogar. Eu tinha 16 anos

Nosso cronista genial Nélson Rodrigues dizia que toda mulher gosta de apanhar. Pensando bem, nem toda mulher gosta de apanhar, só as normais. E apenas as neuróticas reagem.

Nélson sabia penetrar com humor e ironia na alma dos conflitos de amor. Naqueles tempos, a traição feminina ainda era aceita como justificativa moral para matar. A mulher pertencia socialmente a um homem. Tudo passa, menos a adúltera – outra máxima rodriguiana.

O motivo para assassinar era nobre: lavar a honra. E os crimes eram passionais. Eram crimes “por amor”. E por amor se matava. A edição de ÉPOCA da semana passada deu o nome certo aos fatos.

O motoboy Marcelo Barbosa, de 29 anos, confessou ter matado “por ódio”, com quatro tiros pelas costas, a ex-namorada de 23 anos, morena Marina, recepcionista de academia de ginástica em São Paulo. Ele está preso, aguarda julgamento. Rapazes como Marcelo matam suas ex-namoradas, às vezes adolescentes, por ciúme e rejeição. Uma mulher apanha a cada 15 segundos no Brasil; 50 mil são mortas no mundo a cada ano por companheiros ou ex. São crônicas da morte anunciadas por agressões cotidianas.

Há quase 40 anos, quando os palavrões e o biquíni grávido de Leila Diniz ainda chocavam a sociedade, entendíamos o silêncio das mulheres espancadas e dependentes. Hoje, a gente se pergunta por quê. Se todas as transgressões femininas já foram cometidas, por que elas não se rebelam nos primeiros tapas? Por que se arrependem quando denunciam, retiram a queixa, voltam, acreditam e tornam a levar porrada?

Uma amiga socióloga no Paraná está prestes a concluir um estudo nacional sobre a violência doméstica. Nas entrevistas, ela sente pena, mas também raiva secreta das mulheres, porque os dramas se repetem, não importa a classe social. São anos ou décadas de agressões em casa, que variam apenas de intensidade. Quase um padrão. O homem encrespa o tom da voz, humilha, passa aos palavrões, golpeia primeiro sem machucar muito, depois perde o controle, aí pede desculpas e promete “nunca mais”.

Algumas se libertam. Seriam burras, ingênuas, submissas, masoquistas? Temo sempre mais pelas meninas, como a jovem Eloá, sequestrada e morta aos 15 anos pelo ex-namorado Lindemberg. Porque elas não têm referência nem maturidade. E também porque me lembro de mim aos 16 anos.

Temo sempre pelas meninas. Eu me lembro de mim aos 16 anos. Meu namorado quase me matou afogada. Por ciúme

Meu primeiro namorado quase me matou, por afogamento, na Praia de Copacabana. O namoro já durava dois anos. No início, não notei nada. Num certo dia, ele começou a me interrogar. Aonde você foi? Como estava vestida? Alguém mexeu com você? A que horas chegou em casa?

Eu respondia. Quando me rebelava, ele me apertava o braço. Beliscava. Passou a puxar meus cabelos, que desciam à cintura. Eu não sabia bem como agir. Com ele, descobri a sexualidade e me perguntava se assim era o amor na vida real. Não contava nada a ninguém por vergonha.

Comecei a sentir medo. Ameaçava terminar, mas ele se derramava em desculpas e chorava. Até o dia em que chegou à praia e eu estava no mar, conversando com um amigo surfista, depois da arrebentação.

Ele nadou rápido, era halterofilista, e pude perceber o olhar de ódio antes de ele me aplicar um caldo, sem dar uma palavra, e manter a mão sobre minha cabeça, no fundo do mar, me impedindo de voltar à tona.

Eu engolia água e achei que fosse morrer. Quando ele me soltou e eu subi, chorava engasgada e fui socorrida, levada à areia. Talvez ele quisesse apenas me dar um susto. Eu me assustei para o resto da vida. Ali terminava meu primeiro e único caso de amor e ódio.

Nunca mais um homem me submeteu a interrogatório. Nunca mais namorei um homem ciumento ou agressivo. Dei sorte. Não morri nem me viciei. Pais e mães deveriam sempre conversar com suas filhas e seus filhos antes de suas primeiras investidas amorosas. Explicar que violência não é amor.

A imensa maioria dos homens ama suas mulheres com paixão, carinho e desejo, sem agredi-las. Casos como esses e o da ex-namorada do jornalista Pimenta Neves, morta a tiros, são a exceção, não a regra. Mas é inaceitável o número de crimes. Todos temos de aprender a lidar com o ciúme de modo não violento. Especialmente os homens.

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