terça-feira, 21 de abril de 2009



21 de abril de 2009
N° 15946 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


O país dos lobos

Presenciei esses dias, aprisionado no trânsito ante um sinal vermelho, um espetáculo de violência. Uma jovem mãe, com a idade na qual as adolescentes de classe média se preparam para o vestibular ou malham nas academias, carregava no colo um bebê de poucos dias e travava uma guerra particular com outro filho, que caminhava ao seu lado.

Este menino, de uns dois anos, chorava, talvez de cansaço, talvez de fome, e a mãe lhe dirigia uma coleção de palavrões que só me deixou menos abismado do que os cascudos com que o acertava, sem dó nem piedade.

Todos vestiam trapos, padeciam de miséria e de desesperança.

Falto de ação no carro, ou, quem sabe, sobrante de omissão, me bateu uma revolta tão funda quanto inútil. Refleti, enquanto o auto arrancava, que aquela era a crua cena, a explícita razão por que tantas crianças preferem a incerteza das ruas ao território de desamor de seus próprios, precários lares.

As estatísticas estão aí, frias e terríveis, a comprovar que os maiores agressores de pequenas vítimas indefesas não são os estranhos, mas algumas das pessoas que lhes estão mais próximas. Há um incomensurável déficit de afeto e de compaixão no chamado país da cordialidade.

Nem remotamente imaginem, contudo, que a agressividade seja monopólio dos deserdados. Há enormes provisões de brutalidade, arrogância, prepotência permeando a convivência urbana em todos os andares da pirâmide social. Podem não ser tão manifestas como no rude episódio que narrei. Mas são por vezes mais torpes.

Não, eu não condeno de todo a jovem mãe que maltrata o filho. Eu a deploro, eu a lastimo. Ela própria é uma maltratada pela vida que não escolheu, mas a que foi sentenciada no áspero jogo da sobrevivência.

É o produto pronto e acabado de uma nação decomposta por disparidades iníquas. Parece claro no entanto que a doença da impiedade contagia pobres e párias, ricos e remediados.

Vêm dias em que penso que o homem é mesmo o lobo do homem. Formamos uma imensa alcateia. Dela só nos libertaremos pelo árduo aprendizado da solidariedade e do humanismo.

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