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sábado, 25 de abril de 2009
26 de abril de 2009
N° 15951 - MOACYR SCLIAR
A magia dos sapatos
Na história da Cinderela, o sapato desempenha um papel fundamental. Trata-se, como vocês devem lembrar, de um sapatinho de cristal, o que faria qualquer ortopedista balançar a cabeça em sinal de desaprovação.
No caso, porém, trata-se de um sinal de elegância. E mais: identifica a moça que precipitadamente abandonara o baile à meia-noite em ponto, deixando o príncipe, que por ela se apaixonara, completamente desesperado.
O sapato que ela perdera em sua fuga precipitada resolve o problema, e identifica a dona com mais precisão que impressões digitais ou teste de DNA. No final, e graças ao mencionado calçado, temos um final feliz.
A clássica narrativa serve para demonstrar a importância que os sapatos têm em nossas vidas. Num determinado momento da evolução humana, calçados começaram a se tornar necessários; os pobres pés, forçados pela posição bípede a suportar o peso do corpo, sofriam muito e pediam socorro.
De proteção, os sapatos rapidamente começaram a se tornar um sofisticado complemento da vestimenta, o que, para as mulheres, foi particularmente importante.
Tomem o salto alto, por exemplo. Ele foi introduzido pelo vaidoso Luis XIV, que, por ter nascido antes de Luis XVI, escapou da Revolução Francesa e da guilhotina. Vaidoso, o monarca era conhecido como o Rei-Sol, mas, pelo visto, era um sol poente, porque ele era muito baixinho. Bolou, então, o salto alto – para elevar sua estatura, coisa da qual as mulheres se apropriaram (até hoje a gente diz de alguém arrogante que “anda de salto alto”).
Daí em diante, dê-lhe sapatos - uma trajetória que culminou com Imelda Marcos, a ex-primeira dama das Filipinas, que tinha milhares de sapatos, dos quais, aliás, se orgulhava muito - mas que certamente não tornaram seu marido, Ferdinand Marcos, muito popular junto aos pobres e descalços. Aliás, em muitas culturas, o sapato não é assim tão prestigiado.
É costume tirá-los quando se entra em templos muçulmanos, e quando o jornalista iraquiano arremessou seu tênis contra Bush estava simplesmente demonstrando seu desprezo de uma forma habitual na região: afinal, sapato pisa o chão, pisa a sujeira e serve, portanto, como símbolo de uma atitude ofensiva.
Mas homens não usam os sapatos só para agredir outros. Também para o sexo masculino eles são um símbolo de elegância, e, conforme a marca, podem custar muito caro. Agora: homens também olham para os sapatos femininos.
E alguns deles olham de uma forma peculiar. Na Belle Époque francesa – final do século 19 – era costume dos cavalheiros debochados tomar champanha nos sapatinhos de cetim das cocottes, as moças que então alegravam a alta sociedade. Era uma espécie de homenagem, ainda que de gosto duvidoso, ao sexo feminino.
Outros homens vão ainda mais longe e acabam transformando os sapatos da mulher em objetos de desejo – de desejo sexual. Estamos falando, claro, no fetichismo, que muitas vezes adquire o caráter de verdadeira obsessão. Há homens que se excitam com a simples visão de um calçado feminino – desde que seja elegante, naturalmente, e que tenha saltos bem altos.
E a pergunta é: por que isso acontece? A explicação psicológica mais óbvia parte da forma do sapato; a concavidade evocaria a vagina da mulher, e o salto, por sua vez, seria um símbolo fálico. Combinação perfeita, portanto.
Pergunta: será que o príncipe da Cinderela era fetichista? Se a resposta é afirmativa, então tratava-se de um fetichista muito especial, porque sapatinhos de cristal são, convenhamos, coisa rara.
A menos que o príncipe quisesse usá-los para tomar champanha. O que até faria sentido: afinal, a única vantagem de um sapato de cristal é que ele pode ser lavado depois do uso, não é mesmo?
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