segunda-feira, 3 de novembro de 2008



03 de novembro de 2008
N° 15778 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Pássaros de primavera

Há qualquer coisa neste apartamento onde me abrigo que atrai aladas dinastias de visitantes. Por sucessivas primaveras, isto aqui foi a pista de aterrissagem de tico-ticos, pardais e cambacicas, o palco de sua dança nupcial, o jardim de infância de seus filhotes. Depois, chegou o turno das andorinhas.

Vindas de distantes terras ou nascidas pelas vizinhanças – já que os descuidos que votamos à ronda das estações acabaram subvertendo suas migrações de antigamente –, passaram a me dar o prazer de sua companhia. Não sei quantas gerações desses pássaros de um belíssimo azul-noturno aprenderam a conhecer os mistérios da vida e do universo numa mínima sacada oculta desta casa.

Eram, não duvido, linhagens de uma mesma e imensa família. Nunca lhes pedi certidão de nascimento, mas aprendi a conhecê-las – avós, pais, filhos –, ou por certa parecença de visual e modos, ou por um certo jeito de sorrir que tinham.

Após, sobrevieram uns tempos ásperos. Desertaram-se as sacadas e jardins de meus hóspedes habituais – suponho que foram cantar todos em outras freguesias. Eis senão contudo que, numa manhã do último setembro, havendo levantado mais cedo para concluir um chatíssimo trabalho, escutei de repente arrulhos.

Arrulhos – me apresso a esclarecer – são uma fala ou conversa meiga, terna, carinhosa. Era, outra vez, um diálogo de pássaros. Não me perguntem como pude adjetivá-lo. Essas coisas não se aprendem, essas coisas são espontâneas. Me lembro que pensei: tem aves arrulhando de novo neste apartamento, e isto é bom. Refletido o que, fui cuidar de minha tarefa.

Meus atuais hóspedes formam um par com decidida queda para o romantismo. Já na antemanhã identifico suas declarações de mútuo amor e desejo. Tem dias em que me pergunto se não serão parte de um sonho. Há outros em que me indago se não serão capítulos de minhas próprias, idas lembranças.

O resto é segredo. Nem consegui ver qualquer dos pássaros – embora os imagine índigo-blue – nem faço remota noção de seu nome ou de sua definição ornitológica.

Isso, aliás, nem importa. Na real, importa mesmo é que voltou a ser primavera por estas alturas da Rua Duque.

Ótima segunda-feira e uma excelente semana para todos nós.

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