segunda-feira, 5 de maio de 2008


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Governar países pobres

Não há mal no populismo político, condenável é o populismo econômico, ou seja, gastar mais do que arrecadar

A ELEIÇÃO no Paraguai de um candidato de esquerda e nacionalista, Fernando Lugo, é ao mesmo tempo um sinal de avanço da democracia e mais uma indicação do aumento da distância entre as massas e as elites.

Entretanto, apesar do aumento da fratura política entre pobres e ricos, estes continuam poderosos, com freqüência aliados a interesses externos, e a probabilidade de os novos governantes lograrem êxito na promoção do desenvolvimento econômico com eqüidade é pequena.

São muitos os obstáculos que os líderes políticos de países pobres enfrentam. Quanto mais pobre é um país, maior será a diferença entre pobres e ricos, menos informada politicamente será sua população, menos organizado será o mercado e mais fraco o Estado.

Como a apropriação do excedente econômico não se realiza principalmente por meio do mercado, mas do Estado, a probabilidade de que facções das elites recorram ao golpe de Estado quando se sentem ameaçadas é sempre grande.

Para avaliar a enorme dificuldade em governar esses países, basta comparar os países pobres e os de renda média que elegeram governantes de esquerda.

Enquanto na Venezuela, no Equador e na Bolívia tivemos ameaças recentes de golpe de Estado, no Brasil, na Argentina, no Chile e no Uruguai essas ameaças estão ausentes. Quanto mais pobre o país, menos consolidada será sua democracia e mais arriscado e difícil será governá-lo.

Entretanto, como as elites locais dos países mais pobres estão quase sempre associadas às potências externas e às suas elites, o que vemos na imprensa, além das ameaças de golpe, é o julgamento negativo dos seus governantes.

Primeiro porque esses governantes são incômodos aos países ricos na medida em que decidem defender os interesses nacionais via aumento dos impostos ou royalties sobre seus recursos naturais (quando não decidem nacionalizar alguns deles). Segundo porque as elites locais se sentem ameaçadas pelo líder político, embora sua prática raramente lhes prejudique.

Terceiro porque as elites dos dois tipos de países insistem em julgar esses líderes de acordo com critérios adequados a países desenvolvidos, em vez de compreenderem que os padrões mais baixos de desenvolvimento político exigem igualmente padrões menos rigorosos de avaliação.

A acusação que resume tudo é que o líder é "populista". De fato, se for realmente um líder, ele será populista, pois populista é o líder político que logra estabelecer um contato direto com o povo independentemente dos partidos e das respectivas ideologias.

Ora, na ausência de partidos ideológicos, não há alternativa a esse contato direto. Não há mal, portanto, no populismo político, que é geralmente a primeira manifestação política do povo nos países pobres.

Condenável é o populismo econômico (o Estado ou a nação gastarem mais do que arrecadam), mas, muitas vezes, líderes populistas políticos não são populistas econômicos, pois sabem que precisam cuidar das finanças internas do Estado e das externas da nação para se conservarem no poder.

Em síntese, quando um líder nacionalista alcança o poder, ele enfrenta tantas dificuldades e obstáculos que não há garantia de que a nação que governa será beneficiada, mas, quando suas elites rejeitam seu povo e se associam às elites externas, não há nenhuma dúvida de que a nação estará sendo esquecida, e a democracia, desprezada.

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação:

Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br - lcbresser@uol.com.br

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