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quarta-feira, 7 de maio de 2008
07 de maio de 2008
N° 15594 - Sergio Faraco
Livros perigosos
Nunca contei, mas imagino que minha biblioteca acumule uns 7 ou 8 mil livros, distribuídos em quatro estantes. Não tenho mais onde guardar e, no entanto, livros novos continuam chegando, enviados por editores e autores.
Estão empilhados na escrivaninha e já nem enxergo o pátio. É um problema suportável, decerto, melhor estar cercado de livros do que de outras coisas que pouco fazem para melhorar a vida.
Mas há outro problema menos suportável e, veja só, é uma questão de vida ou morte. Uma das estantes, a mais pesada, começou a se desarticular, inclinando-se para a frente.
Acresce que essa estante é justamente a que está diante da escrivaninha. Tenho certeza de que, mais dia, menos dia, vai tombar, e também estou convicto de que é vingança. Durante 40 anos assassinei a literatura e é factível que, revoltada, ela queira dar o troco, assassinando-me também.
Ainda respiro, mas com riscos, e não posso morrer agora, pois, como dizia o velho José Resende Costa ao ouvir do ministro a sentença que o condenava à morte, no processo criminal da conjuração mineira: "Senhor, tenho credores e muitas dívidas".
Portanto, vou me desfazer das obras que me ameaçam, transferindo-as, em parte, para uma biblioteca do interior. Editores e autores não terão do que se queixar: é uma biblioteca encantadora, organizada a preceito e bem freqüentada, mais saudável do que sepulcros num jazigo prestes a desmoronar.
Faço este registro porque, há muitos anos, doei dezenas de obras a uma instituição porto-alegrense. Ao menos uma delas, que estava autografada, mudou de casa: o autor a encontrou num sebo da Riachuelo. Aborrecido, telefonou-me, reclamando que eu negociara seus versos. Se aparecer em algum sebo livro autografado para mim, chame a polícia.
A propósito: ainda que sua estante se garanta, por que você não pega as obras de que sou autor e não as oferece a uma instituição de seu agrado?
Outro dia, visitei a biblioteca de Gramado e as encontrei quase todas. Assombrei-me, biblioteca não tem dinheiro para compras, e examinei uma por uma para descobrir como tinham subido a serra. Todas traziam um selo: foram doadas pela RBS. Maravilha. Por que você não faz a mesma coisa, para lhes dar mais vida?
De resto, vendo-as circular, talvez eu acredite que assassinei a literatura menos do que imagino, e poderei passar diante das outras estantes sem receio de que a livralhada queira se vingar.
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